Recentemente, empresários e associações que representam diversos setores do varejo brasileiro têm buscado uma condição de concorrência igualitária com as importações vindas do exterior, principalmente dos países asiáticos. Segundo o documento, 500 mil pacotes chegam por dia na fiscalização alfandegária do Brasil, mas menos de 2% são efetivamente fiscalizados e eventualmente tributados. Em todos esses sites, os consumidores conseguem importar produtos por preços inferiores aos praticados no país, chegando a menos da metade do valor. A disputa não é justa, mas o mercado varejista e as plataformas de marketplaces precisam entender que o e-commerce cross-border diz respeito a um movimento global e sem volta. A chave para essas dores é encontrar uma maneira de unir a área à implementação de regras isonômicas, que gerem oportunidades a todos, respeitando as normas legais. Encabeçado pelo Spotify, o setor fonográfico, por exemplo, soube fazer muito bem essa transição. Anos antes da consolidação de sua liderança no segmento, as primeiras tentativas de popularizar as músicas vieram com o MP3, que possibilitou às pessoas possuírem um número quase infinito de faixas em suas bibliotecas virtuais. Porém, existia o pequeno inconveniente de acesso a essas músicas. Na época, era necessário baixar os arquivos de algum lugar para armazená-los em equipamentos. Isso gerou um movimento musical clandestino que afetou não somente a indústria fonográfica, como também os artistas. Afinal, eles não recebiam percentual algum quando suas músicas eram adquiridas, fazendo assim despencar as receitas das gravadoras. Essa situação colocou o setor em rota de colisão com as iniciativas que geravam conteúdos gratuitos. Sites como o Pirate Bay passaram a sofrer processos judiciais das gravadoras. Nessa disputa, havia trocas de acusações bem fundamentadas dos dois lados sobre o porquê a existência do outro era nociva às pessoas ou à indústria musical. O que nenhuma das partes entendia era que a indústria da música nunca acabaria e o progresso das plataformas de streamings também não seria freado. A chave estava justamente ali. Nesse caminho, a criação do iPod pela Apple permitiu que as gravadoras e os artistas ganhassem todas as vezes que suas músicas fossem baixadas. Entretanto, a adesão foi pequena, pois a necessidade de entrar em uma plataforma específica para fazer todo esse processo não gerou a escala desejada. O número de faixas piratas ainda chegava a 95% do total das músicas baixadas. Foi quando o Spotify entendeu que as pessoas estavam mais preocupadas com o acesso do que com a posse. Assim, surgiram as plataformas de streamings, em que as pessoas podem “alugar” e compartilhar suas músicas de forma instantânea pelo celular, sem a necessidade do uso de equipamento especial. Atualmente, o acesso é gratuito, porém os serviços adicionais, como pacotes premium, são cobrados e remuneram os atores da cadeia musical. No cross-border, mais de 95% dos impostos das compras internacionais não são pagos, porém não é isso que o usuário busca. As pessoas não querem sonegar os impostos em uma importação, elas desejam sortimento de produtos em um mercado cada vez mais globalizado e dinâmico. Portanto, o segmento varejista precisa mudar o mindset sobre as plataformas e viabilizar exatamente o que o consumidor busca: variedade, qualidade e preço baixo. Outro ponto central é o respeito aos direitos humanos. No momento atual, há mais preocupação com temas como ESG e condições de trabalho. A legalização dessas operações de forma dinâmica, moderna e inovadora pode resolver todos os gargalos do ecossistema de uma só vez. Assim como aconteceu na indústria da música, em que não houve um único vencedor, o varejo também pode integrar vários ganhadores, desde o empreendedor, o fisco, o consumidor até as plataformas internacionais. É preciso inteligência, empatia e muita tecnologia de ponta para virar esse jogo. *Fábio Baracat é CEO da Sinerlog, empresa especializada em tecnologia Cross Commerce.