Uma combinação explosiva de desemprego e escassez de programas de estímulos tem mantido os estudantes longe do ensino superior brasileiro. Apesar de ter ocorrido um aumento no total de alunos matriculados em 2017, o fato é que há mais alunos em condições de cursar uma faculdade e que não o fazem do que cursando o ensino superior.
Tal realidade mantém a ociosidade no sistema acima dos 50% pelo segundo ano consecutivo. A taxa medida pela plataforma Quero Bolsa, a partir dos dados do Censo da Educação Superior 2017, divulgado pelo Ministério da Educação, ficou em 51,5%, pouco abaixo dos 52.9% registrados em 2016, mas ainda acima de todos os demais anos desta década.
O gráfico abaixo revela como evoluiu a ociosidade desde 2010, ano em que o governo federal iniciou um ostensivo programa de financiamento estudantil, que se mostrou insustentável economicamente e maléfico socialmente, devido à criação de uma geração de profissionais recém formados endividados e sem condições de ingressar no mercado de trabalho, seja pelos efeitos da crise econômica que se prolonga sobre a geração de emprego, seja pela incapacidade dos novos formados competirem pelas escassas vagas no mercado de trabalho.
Podemos afirmar que, durante os anos de Fies farto e concessão de crédito indiscriminada, as instituições de ensino superior verificaram uma queda na ociosidade ao mesmo tempo que expandiram a oferta de vagas, na expectativa de atender a um volume cada vez maior de alunos. O mínimo foi registrado em 2014, ano em que o governo federal ofertou 732 mil contratos de financiamento, quase 10 vezes mais do que em 2010. A partir de 2015, com os cortes de verbas para o Fies e o crescimento do desemprego, principalmente entre os jovens, a ociosidade deu um salto. Em apenas dois anos foi de 40,7% para 52,9%, alta de 12,2 pontos percentuais. Foram necessários quatro anos de forte oferta de financiamento e taxa de desemprego baixa para haver um recuo de 8,4 pontos percentuais.
Diante da elevada ociosidade, as instituições de ensino vêm realizando ajustes na oferta de vagas e fechamento de cursos, mas ainda assim a redução do volume de vagas ociosas foi tímido.
Onde sobram vagas
Como é de se esperar, a ociosidade concentra-se nas instituições de ensino privadas devido ao fator custo para o aluno, ou seja, a cobrança de mensalidade em oposição ao ensino gratuito disponível nas instituições de ensino públicas. Além disso, a rede privada concentra 3 em cada 4 alunos matriculados no ensino superior, o que faz com que o volume de vagas também seja proporcionalmente maior. Uma característica inerente ao ensino superior privado gerido por grupos com fins lucrativos é manter uma taxa natural de ociosidade, que deve girar em torno de 25% das vagas oferecidas. Tal número permite ajustar-se à demanda de cada curso, absorvendo novos interessados e gerenciando as vagas excedentes, porém, como fica absolutamente claro, as instituições de ensino privadas têm operado com índices de ociosidade muito maiores do que os aceitáveis.
O gráfico a seguir mostra a distribuição da ociosidade por perfil administrativo das instituições. O maior volume de vagas não preenchidas está nas instituições com fins lucrativos, onde a ociosidade chegou em 2017 em 59,6%. Apesar de alta, houve um leve recuo na comparação com 2016, ano em que o índice registrado foi de 61,3%. As instituições sem fins lucrativos também registraram movimentos semelhantes, com a ociosidade recuando de 56,9% para 55,%.
Na rede pública, a ociosidade geral não é problema. Ela se mantém praticamente estável na comparação com o ano passado. As instituições federais continuam registrando a menor taxa de vagas não preenchidas, com 7,5% de ociosidade (7,6% em 2016). As públicas estaduais tem taxa de 13% em 2017 (12,8% no ano anterior).
Por estado houve uma troca de posições entre os que registram maior número de vagas não preenchidas. Rio de Janeiro e São Paulo, que figuravam no topo do ranking em 2016, reorganizaram as ofertas de novas vagas e cursos e agora estão na oitava e sétima posições, respectivamente. Por outro lado, o Distrito Federal registrou crescimento e ultrapassou a Bahia que teve uma leve retração no índice na comparação com 2016. A surpresa é Sergipe, que no ano passado apresentava ociosidade de 47,5%, saltando de 14º para 2º colocado no ranking. Os motivos para esse aumento precisam ser melhor investigados.
Entre os cursos, Medicina continua como o menos ocioso, fechando 2017 com ocupação total das vagas oferecidas. Estatística e Agroecologia (cursos de pouca demanda) aparecem com poucas vagas não preenchidas. Direito, curso com maior número de alunos matriculados no país é o quarto colocado no ranking dos menos ociosos.
Já entre os mais ociosos, permanecem os cursos voltados para o setor de energia, notadamente petróleo e gás. Algo que já havia aparecido na avaliação realizada em 2016.
Por sua vez, os cursos destinados a formação de professores apresentam grande variação na ociosidade das vagas oferecidas para ingresso em 2017. Física e Química, cursos com baixíssima demanda e concentrados nas instituições públicas, apresentam ociosidade bem abaixo da média brasileira. Na outra ponta estão Educação Física e Letras. Já Pedagogia, curso de licenciatura com maior quantidade de alunos matriculados no país, tem ociosidade de 55,3%.
Para o diretor de inteligência educacional da plataforma Quero Bolsa, Pedro Balerine, os números estão em linha com as expectativas. "Uma ociosidade acima de 50% é muito ruim para as instituições de ensino, pois deixa claro que houve um descasamento entre oferta de cursos e demanda por parte dos alunos. O movimento natural é que as instituições de ensino revisem seu portfólio de cursos, pois não é sustentável manter uma estrutura inchada. A leve queda ocorrida em 2017 mostra que esses ajustes foram feitos e mantém a perspectiva de que em 2018 e 2019 os ajustes continuem a ocorrer. O fato é que este movimento de correção é gradual e ainda vai acompanhar o setor por algum tempo", explica Balerini.