No dia 26 de abril de 1983, o alarme disparou na antiga usina nuclear de Chernobyl, localizada na extinta União Soviética - atual território Ucraniano -, dando início ao maior desastre nuclear já registrado na história humana. Apesar da catástrofe causada pela radiação, esta, quando usada na medicina diagnóstica por imagem, em exames cotidianos, como as radiografias e as tomografias, e tratamentos médicos, como a radioterapia, pode salvar vidas.
Não obstante, o termo "radiação" ainda divide opiniões. Para grande parte do público leigo, é alvo de falsas concepções e bastante receio, talvez graças ao legado negativo da usina soviética. Já para outros, instiga uma enorme curiosidade.
Os curiosos e obcecados pela história completa da famigerada usina puderam saciar parte de sua sede de informação com a estreia da minissérie "Chernobyl", da HBO. O programa televisivo, de apenas 5 episódios, tornou-se a série mais aclamada de todos os tempos pela crítica. Graças a seu sucesso, inclusive, as visitas turísticas nas ruínas da antiga usina da Ucrânia registraram um ápice no ano de 2019.
Narrando-se (quase) fielmente a linha do tempo do acidente e suas nuances políticas, que catalisaram o colapso do regime soviético, o público pode assistir, atônito, aos efeitos da radiação, conceito ainda misterioso para muitos.
Romulo Varella, médico radiologista e chefe do centro de imagem do Hospital São Lucas Copacabana, explica que a radiação é uma forma de energia ionizante. "São ondas que tem capacidade de alterar as moléculas dos tecidos humanos. Pode ser emitida de diferentes maneiras e trazem repercussões nos tecidos. Por isso, é tão relevante", pontua o especialista.
"Existem vários tipos de radiação, cuja diferença tem a ver com sua frequência - que interfere na capacidade de penetrar nos tecidos. Assim como existem os conhecidos raios infravermelhos e ultravioletas, na área médica, usamos a radiação gama em exames de medicina nuclear, como cintigrafia, PET Scan e também em radioterapia - tratamento para câncer que utiliza a radiação para combater as células cancerosas -, e a radiação X nos exames de imagem", acrescenta.
Na radiologia, existem quatro grandes métodos de imagem: a radiografia - ou Raios X -, a tomografia, a ressonância magnética e a ultrassonografia. Apenas os dois primeiros emitem radiação. No entanto, não há motivo para preocupação: a radioatividade não é constante, só sendo emitida durante o exame, quando a luz vermelha da sala é acesa. Além disso, a emissão é localizada e em doses muito baixas, e as salas são revestidas em chumbo, que impede a propagação das ondas. A tomografia, por outro lado, apresenta doses ligeiramente mais altas, mas ainda em níveis seguros para a saúde humana.
Do meio do século XX até hoje, o uso da radiação nos exames de imagem evoluiu bastante e se tornou uma ferramenta importante no auxílio do diagnóstico dos pacientes. Se, antigamente, as imagens precisavam ser reveladas - processo que leva tempo -, hoje, os resultados são instantâneos. Além disso, também é possível ter acesso a imagens submilimétricas, que permitem analisar pequenos vasos sanguíneos, por exemplo, e criar modelos tridimensionais nos monitores com aparelhos modernos.
Exames como o de Ressonância Magnética de alto campo 3 Tesla, a Tomografia Computadorizada 160 canais, a Ressonância Cardíaca e a Colonoscopia Virtual são procedimentos de alta complexidade que permitem resultados instantâneos e precisos. O Complexo Hospitalar de Niterói é pioneiro no estado do Rio de Janeiro a possuir tais equipamentos.
Aqueles que assistiram à série descobriram que, no primeiro momento, devido à limitação tecnológica local, pensava-se que os níveis de radiação do acidente giravam em torno de 3,6 Roentgen - medida utilizada universalmente -, o que, posteriormente, gerou o bordão "Not great, not terrible" (Não é ótimo e nem terrível). Pouco depois, com a ajuda de dosímetros mais modernos, foi constatado que esta medida, na verdade, ultrapassava 15 mil Roentgen, que representa o dobro de radiação da bomba de Hiroshima sendo emitida constantemente.
Alair Sarmet, coordenador do serviço de imagem do CHN e presidente do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, explica que, se comparados ao acidente nuclear de Chernobyl, um exame de imagem comum emite radiação similar à quantidade de uma gota num oceano. "Para fazer um termo de comparação, uma radiografia padrão emite aproximadamente 0.01 Roentgen numa área localizada. É incomparável com o desastre da usina".
"Além disso, existe um conceito em radiologia conhecido pela sigla ALARA, que vem do inglês "As Low As Reasonable Achievable", ou seja, o nível mais baixo possível. Os médicos que solicitam exames de imagem têm a noção de que existe radiação envolvida. Por isso, só recorrem a esses exames quando são realmente necessários. Existem organizações como o LATINSAFE, da América Latina, e o EUROSAFE, da Europa, que tem o objetivo de discutir e conscientizar sobre a importância da proteção radiológica dos pacientes", ressalta Alair.