08/04/2019 às 00h38min - Atualizada em 08/04/2019 às 00h38min

Presídios no Brasil: uma catástrofe anunciada

Roberto Uchôa
Nos últimos meses fui convidado por duas emissoras de televisão, para tecer comentários sobre o sistema prisional da nossa cidade de Campos dos Goytacazes. Na primeira vez, a convite da Inter TV, falei sobre a apreensão de celulares e drogas ocorrida no presídio Carlos Tinoco, e em outra, na TV Record falei sobre a superlotação das unidades carcerárias. Diante dessa demanda e após fazer algumas pesquisas sobre o tema, me deparei com um quadro assustador, com números impressionantes que colocam o Brasil em uma situação singular, onde muitos especialistas em segurança pública acreditam que seja um dos piores, senão o pior sistema carcerário do planeta.

Conjugando superlotação com estruturas precárias, insuficiência de funcionários e um sistema que tolera a corrupção, o quadro parece a descrição do caos, e é. Detentos comandando organizações criminosas de dentro dos presídios, entrada de armas, drogas e aparelhos celulares sem muitas dificuldades, somado a um quadro de funcionários mal remunerados e desvalorizados. Essa é a base de nosso sistema penitenciário e o objetivo aqui é mostrar através de alguns dados obtidos, o tamanho desse problema e as consequências para a sociedade como um todo.

Segundo dados que constam do relatório do Sistema Prisional, do Conselho Nacional do Ministério Público, o país encerrou o ano de 2017 com 679.459 presos e uma capacidade de 411.466 vagas, sendo que em 2015 eram 640.703 internos para 398.529 vagas. Se a superlotação em 2015 era de 160,77% de presos a mais, em 2017 passou para 165,13% e isso ocorreu porque o número de presos tem crescido o dobro do número de vagas no sistema. No período analisado entre 2015 e 2017, a população carcerária cresceu cerca de 6% enquanto o número de vagas cresceu a metade, cerca de 3%.

A capacidade que já era precária vem piorando e esses dados deixam claro que os governos, além de não resolverem os problemas existentes, não conseguem impedir o agravamento da situação. E apesar de muitos afirmarem que a sociedade nada tem a ver com isso e que criminosos tem que "pagar" pelos crimes que cometeram, a situação é tão complicada que acaba tendo consequências sobre as pessoas que estão fora do sistema.

Para entender melhor essas consequências, vamos tratar mais especificamente da situação das unidades prisionais do Estado do Rio de Janeiro, onde não temos um quadro diferente do nacional. No final de 2017 existiam 31.191 vagas no sistema para 53.482 presos, uma superlotação de 171%, um pouco pior do que a nacional. Ocorre que além desse problema estrutural, há também um enorme déficit de funcionários para controlar esses presídios. Segundo o presidente do sindicato dos agentes penitenciários do Rio, são apenas 4.500 agentes para os 53.000 presos e haveria um déficit de cerca de 2.500 agentes, o que facilita a atuação dos presos dentro das cadeias.

Essa situação de superlotação aliada a escassez de funcionários, são fatores importantes para entender como muitas unidades prisionais ficam sem um controle real do Estado. Soma-se a isso, a corrupção de parte dos agentes púbicos e a entrada de todo tipo de material que fica muito difícil de ser combatida. Aparelhos de telefonia celular, armas e drogas entram sem dificuldades em quase todas as unidades do Estado.  Segundo a SEAP, no ano de 2017, foram apreendidos no sistema 5.082 celulares, 27 armas de fogo e 67.779 embalagens com os mais diversos tipos de entorpecentes.

Se o número de celulares e entorpecentes chama a atenção, a entrada de armas de fogo é a prova cabal de que grande parte do sistema está fora de controle. Quando armas de fogo entram em presídios é um sinal claro de que o Estado perdeu completamente o domínio da situação.

Celulares e drogas são partes importantes do mercado ilegal que alimentam o crime organizado nos presídios e influenciam diretamente na corrupção de agentes. Através de telefones, criminosos continuam a controlar suas atividades delituosas e praticam diversos tipos de crimes mesmo dentro de unidades prisionais, e o mercado de contrabando de celulares é alimentado pelas constantes apreensões de aparelhos. Toda vez que ocorre uma operação para apreensão de itens contrabandeados para dentro dos presídios, é criada uma nova demanda, que será novamente suprida com a conivência ou não dos agentes do Estado. E o mesmo ocorre no mercado de drogas, onde o comércio interno e consumo é intenso.

Presos que deveriam estar isolados do contato com a sociedade para que deixassem de ser um perigo, devido à desordem do sistema penitenciário, não só continuam suas atividades como muitas vezes as intensificam, pois se sentem protegidos dentro do sistema, onde muitas unidades determinam a separação de detentos de acordo com facções criminosas as quais declaram pertencer.

Porém, a continuação das atividades criminosas do detento não é a única consequência advinda desse caos, outro ponto sério criado pelos problemas estruturais e de superlotação é a disseminação de doenças entre os presos. Segundo estudo realizado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, nunca se morreu tanto por doença dentro das unidades prisionais. Ainda no Rio, durante o ano de 2017, o número de mortes foi dez vezes maior que o número de mortes no ano de 1998, sendo 266 contra 26.

Neste período a população carcerária também cresceu, de 9000 presos para cerca de 53000. De acordo com os defensores públicos, a deficiência na prestação dos serviços de saúde é agravada pela superlotação e precariedade sanitária de muitas unidades e são as maiores responsáveis por essas mortes. Desse total de mortos em 2017, 53 morreram em decorrência de tuberculose, doença que é altamente contagiosa e que pode ser transmitida para os milhares de visitantes que semanalmente adentram o sistema para visitas, levando a doença para os locais onde residem.

Como observado, a situação das unidades prisionais tem consequências não só para os detentos como para aqueles que trabalham nesses locais.  Esse cenário também afeta diretamente a população que está do lado de fora, seja enquanto vítimas de crimes ordenados de dentro dos presídios ou quando contaminadas por pessoas que contraíram doenças de parentes presos.

A manutenção dessa tendência de crescimento do número de presos sem a criação de vagas, gera o descontrole dos presídios e a proliferação de doenças, até chegar o momento em que todos seremos vítimas desse processo de alguma maneira. A proposição “quanto pior melhor”, não é verdadeira. A sociedade precisa tratar a questão de outra forma a fim de impedir uma catástrofe futura.
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