Menina de 10 anos é estuprada e engravida. “Dá para aguentar só mais um pouquinho? A infelicidade vivida pela senhora é a felicidade de milhares de casais, sabias? (SIC) Ouviu a criança da juíza responsável pelo caso. Enfim aborto foi negado. O feto já estava muito desenvolvido, 22 semanas de gestação- podemos considerar que a ação judicial e todas as medidas não foram céleres. Não era justo com o feto, que já tinha sentimentos, sistema neural, já era capaz de sentir dor. Mas e a criança? A vítima? Não tem sentimentos? Não sente dor?
A juíza, responsável pela proteção e concretização dos direitos da criança, vítima de estupro, a violentou novamente. Deixou de aplicar a lei – que expressamente permite o aborto quando a gravidez é resultante de estupro – e, ainda, determinou que a criança fosse colocada em um abrigo, para que não houvesse nenhum risco de manobras abortivas por parte de sua mãe, que incessantemente demonstrava a sua vontade, como representante da vítima, de realizar a interrupção da gravidez, com amparo na lei (artigo 213 Código Penal).
Após o caso ganhar repercussão na mídia – quando a gestação contava com 29 semanas, a pressão de grande parte da sociedade fez com que os direitos da vítima fossem concretizados, permitindo a realização do aborto. Assassina? Tirou uma vida? Não era justo com o feto? Mas e a vítima? Assassina foi uma criança estuprada que estava gerando uma vida em razão de um acontecimento traumático? Assassinas foram a vítima e sua mãe que estavam amparadas por lei? Ou será que é possível pensar em assassinato por parte de quem deveria garantir os direitos da vítima e os ignorou? Quem determinou que a gestação não fosse interrompida quando deveria ser. Não seria essa pessoa a assassina?
Após alguns dias dessa barbárie se tornar pública, um outro caso envolvendo a violência contra a mulher veio à tona: uma atriz, de 21 anos, precisou se manifestar sobre a violência sexual que sofreu – da qual resultou a gravidez –, tendo em vista que essa informação já havia sido vazada por “jornalistas”, que a obtiveram da enfermeira presente no momento do parto. Jornalistas? Que tipo de jornalismo é esse? Que tipo de profissionalismo possui uma pessoa que se intitula comunicador social - , mas divulga uma matéria a respeito de um estupro sofrido por uma pessoa pública, que optou por entregar o recém-nascido para a adoção, obedecendo a todos os trâmites legais? Que tipo de jornalista é esse que divulga uma informação estritamente pessoal, que diz respeito à vida privada de uma pessoa? Que tipo de profissional é esse que não pensa no sofrimento que essa pessoa já foi submetida a passar? Uma vergonha para o país. Uma vergonha para a profissão. Um retrocesso. Até onde um profissional, que se diz jornalista, vai para ganhar seguidores e likes?
O que se observa, nesses dois casos, é a revitimização. A vítima de violência sexual não sofre apenas essa violência no momento do crime. Essa violência é reiteradamente praticada por diversos agentes da sociedade: por aqueles a quem cabia a aplicação fiel da lei, por aqueles a quem cabia a proteção de informações sigilosas a respeito do parto, por aqueles a quem cabia tão somente divulgar informações de interesse público relevante e, principalmente, pela sociedade, a quem cabia tão somente respeitar a decisão das vítimas.
Não é a favor do aborto em nenhum caso? Não faça. Achou um absurdo entregar a criança para adoção? Então adote. Você não é a vítima? Então se cale. Respeite. Siga seus princípios e seus valores, mas tendo empatia pela dor do próximo, que não é a sua dor.
Até quando a sociedade vai continuar achando que pode opinar sobre uma dor que não é sua? Até quando a sociedade vai continuar achando que é culpa da vítima? Até quando a sociedade vai continuar achando que pode ditar os limites da dor do outro? Até quando a sociedade vai continuar achando que pode tomar uma decisão pelo outro? Até quando?
Por Thiago de Moraes MTB 0091632/SP Jornalista , jurista, cientista político, apresentador do Programa Frente a Frente
Como escritor Thiago de Moraes, lançou em 2009 sua primeira obra O Jury (sic) – Política e o Erro Judiciário, hoje localizado no Senado, no STF e no STJ como referência máxima ao novo rito do Júri Lei nº 11689/08. É também autor de Responsabilidade Civil no Novo Código, O Penhor, artigos e colunas sobre política, críticas polêmicas, ensaios. Seus principais artigos abordam mediação, conciliação e métodos de pacificação de conflitos.