Ritinha, uma menina de oito anos, vive no Piauí e adora brincar de boneca. Pedrinho tem quinze anos, mora no Paraná e ama jogar bola. Ambos são crianças e deveriam dedicar todo o tempo para o estudo e o lazer, contudo, compartilham uma dura realidade, ambos vivenciam uma meia infância.
Ritinha acorda todos os dias às cinco da manhã e enfrenta um cotidiano duro, pesado, limpando, lavando e passando sob às ordens da sua tia, que a maltrata constantemente. Faz uma pequena pausa nas tarefas domésticas, corre para a escola e quando retorna, ainda tem muito trabalho no lar a ser feito e pouco tempo para realizar seus deveres escolares.
Pedrinho, por sua vez, enfrenta uma rotina cansativa, dolorosa e agressiva, trabalhando junto do pai em uma carvoaria e, por conta disso, abandonou a escola. Ambos estão submetidos ao trabalho infantil e, infelizmente, não são os únicos afetados por essa violação.
O trabalho infantil, nada mais é do que toda forma de trabalho, remunerada ou não, que priva crianças e adolescentes de experiências próprias de suas idades, como estudar, ler, brincar, expondo-os a uma carga desproporcional à sua faixa etária. Além de, exercerem atividades inadequadas a sua estrutura física e psicológica, colocando sua saúde e segurança em risco.
São muitos os motivos que levam crianças e adolescentes para essas condições, mas o principal deles é ajudar a si e a sua família, para “colocar comida na mesa”. E, é claro, que muitos deles também trabalham para ter acesso a bens de consumo como celulares, óculos e videogames.
Contudo, indiferentemente de qual seja o objetivo final, tal prática é considerada ilegal em nosso país, sendo que o trabalho é proibido em qualquer hipótese até os 13 anos; dos 14 e 16 anos permitido na condição de aprendiz (que combina a frequência escolar ao desenvolvimento de uma profissão supervisionada); e, somente a partir dos 16, é que o trabalho será permitido, lembrando que os jovens não poderão trabalhar a noite e nem desempenhar atividade de risco, como manusear máquinas. E, enfim, a partir dos 18 anos o jovem pode trabalhar em qualquer ofício ou profissão que desejar.
Sabemos que nas duas últimas décadas, o Brasil avançou muito no combate ao trabalho infantil, fortalecendo as fiscalizações, criando projetos de transferência de renda aliados ao reforço escolar e atividades culturais. No entanto, mais de 1,8 milhão de crianças e adolescentes entre 5 a 17 anos, ainda encontram-se nesta situação - o que representa mais de 4,6% da população dessa faixa etária.
Para erradicarmos o problema do trabalho infantil, ainda há muito a se fazer. É necessário um comprometimento total não só do Estado, mas de cada um de nós, como seres humanos, como pais, tios e amigos, em protegermos nossos pequenos dessas situações. A mudança que tanto buscamos na realidade que vivemos, começa diante dos nossos olhos, dentro das nossas próprias casas e isso é fato!
Ressalvo grandiosamente que nem tudo é considerado trabalho infantil. Tarefas pontuais e sem riscos, como lavar a louça, aprender a mexer na terra e arrumar a própria cama, não configuram o ilícito. Pelo contrário, são ações que fortalecem o sentimento de solidariedade, de responsabilidade dos jovens e devem ser estimuladas.
O trabalho infantil é o que acontece em carvoarias, no âmbito doméstico, como no caso de Ritinha e Pedrinho, e também em lixões, pedreiras, feiras livres, comércio informal, borracharias, matadouros, na agricultura ou ainda em atividades ilícitas - como tráfico de drogas e exploração sexual, sendo essas atividades consideradas uma das piores formas de trabalho infantil pela Organização Internacional do Trabalho.
Crianças e adolescentes não devem de modo algum passar por isso e têm direito a uma infância completa, com muita alegria, cor e amor. Seus machucados devem apenas ser pequenos esfolados ao cair de bicicleta, para serem curados com beijinhos e Merthiolate. Suas pequenas mãozinhas deverão ser sobrecarregadas apenas pelo peso das suas bonecas ou bolas, e a sujeira em seu corpo, nas suas roupas, deve ser da terra e da poeira revirada para fazer um “gostoso” bolo de barro.
Se você conhece algum caso de trabalho infantil, não feche seus olhos, denuncie, disque 100 ou procure o Centro de Referência de assistência social mais próximo.
*Danielle Corrêa é advogada desde 2007, com pós-graduação em Direito de Família e Sucessões. Membro da OAB-SP e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
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