21/06/2021 às 11h19min - Atualizada em 21/06/2021 às 11h19min

Bicicleta de rapaz acusado injustamente é produto de furto e havia sido vendida sem nota por um campista

O Globo

A bicicleta elétrica utilizada pelo instrutor de surfe Matheus Ribeiro ao ser abordado por Mariana Spinelli e Tomás Oliveira, na tarde do sábado (12), foi apreendida por policiais da 14ª DP (Leblon). O equipamento, que foi furtado de um empresário, em Ipanema, também na Zona Sul, em 18 de fevereiro, está sendo periciado por profissionais do Instituto Carlos Éboli (ICCE) e será devolvido ao proprietário. A bicicleta teria três meses de uso, segundo ele, e fora revendida a outro homem por um morador de Campos, no Norte Fluminense. Matheus disse também ter feito o pagamento com o cartão de crédito da namorada, Maria Elisa Sales Faes, e apresentou um comprovante da transação.

O jovem disse para os policiais que comprou a bicicleta em um site na internet, em 1º de abril, mas que não possuía a nota fiscal e apresentou uma foto de uma transação financeira e chaves falsificadas com o logotipo de uma marca de motocicleta. A polícia investiga o crime de receptação.

"A Polícia Civil informa que a bicicleta elétrica utilizada por Matheus Ribeiro foi apreendida por ser produto de furto e será devolvida ao seu legítimo proprietário. Matheus e um homem que vendeu a ele o equipamento estão sendo investigados pela receptação. O inquérito segue em andamento e apura também o furtador da bicicleta", informou, em nota, a Polícia Civil

Em depoimento prestado a delegada Natacha Alves de Oliveira, Matheus afirmou ter adquirido a bicicleta elétrica por meio de um site de classificados online, pelo valor de R$ 3.600. Ele contou ainda ter encontrado com o vendedor em um shopping em Del Castilho, na Zona Norte do Rio, mas apesar de ter pedido a nota fiscal, não a recebeu. Este homem quem teria comprado a bicicleta de um campista.

Com o número do chassi da bicicleta elétrica, os agentes foram até uma das lojas que vende a marca e descobriram que o equipamento estava em nome de um empresário. Eles ligaram para o rapaz, que levou para a polícia a nota fiscal e a chave original que liga a bicicleta. Na delegacia, o empresário contou ter sido vítima de furto na esquina das ruas Aníbal de Mendonça e Barão da Torre.

No depoimento, ele explicou ter estacionado a bicicleta na porta de uma academia de ginástica por volta de 17h30m de 18 de fevereiro. Uma hora depois, percebeu que o cadeado havia sido rompido e não encontrou testemunhas do crime. O rapaz comprou o veículo por R$ 7.980, na loja autorizada no mesmo bairro. No dia seguinte ao furto, retornou ao local e adquiriu outra bicicleta do mesmo modelo.

No registro de ocorrência feito na 14ª DP, o empresário consta como vítima de furto e Matheus, como envolvido na receptação, por adquirir e conduzir um produto de crime. Agora, os investigadores apuram o caminho percorrido pela bicicleta, entre o furto e a compra no site de classificados.

Compras on-line
Especialista em Direito Digital, o advogado Antônio Carlos Marques Fernandes explica que as compras online realizadas sem a emissão de nota fiscal trazem riscos aos compradores, que, na ausência do documento, não têm como comprovar a propriedade do bem adquirido.

— No caso de uma pessoa que compra um produto que tenha sido roubado ou furtado, ela poderá responder pelo crime de receptação, ainda que tenha pago ou por ele e não saiba de sua procedência — pontua.

Professor de Direito Penal da PUC-Rio, Breno Melaragno afirma que, caso exista prova de que o comprador saiba que o bem seja produto de crime, ele será enquadrado na modalidade dolosa.

— Na culposa, a pessoa deveria saber ou supor, pelas circunstâncias e pelo preço apresentado, que o produto tem origem em roubo ou furto. Essa interpretação caberá ao delegado de polícia e, depois, ao Ministério Público, que pode iniciar uma ação penal ou não, que será avaliada pelo Poder Judiciário.

O criminalista Paulo Klein explica qual é a pena para a tipificação culposa do crime:

— Em se tratando de crime culposo, a pena é de detenção de um mês a um ano, ou multa, podendo ser cumulada, e a competência para processamento e julgamento é do Juizado Especial Criminal, podendo o investigado ter o direito de fazer uma transação penal (pagamento de uma multa ou prestação de serviços comunitários) para não ser processado. Em caso de processo, o juiz pode deixar de aplicar a pena, dependendo das circunstâncias do caso concreto, e também se ele for primário.

De acordo com o advogado Daniel Blanck, especialista em Direito Civil, as plataformas responsáveis pela venda também são passíveis de responsabilização:

— Sobretudo com as restrições sociais impostas pela pandemia da Covid-19, os sites de intermediação se tornaram grandes balcões de negócios, muitos deles feitos sem qualquer formalidade, seja nota fiscal ou certificação de procedência. As ofertas de produtos de baixo preço são comuns e, com isso, golpes e outros crimes são praticados.

Crime de calúnia
Em outro registro na distrital, Matheus consta como vítima de um suposto crime de calúnia cometido por Mariana Spinelli e Tomás Oliveira. O casal é acusado de racismo pelo professor de surfe por tê-lo interpelado na porta do Shopping Leblon. Na ocasião, eles haviam acabado de ter a bicicleta elétrica, idêntica à de Matheus, furtada.

Em depoimento, Matheus disse acreditar que o fato só tenha acontecido por ele ser negro. Ele negou que tenham havido ofensas expressas de caráter racial, mas disse ter se sentido triste, indignado e com raiva porque Mariana e Tomás já chegaram "acusando" o rapaz pelo furto e, em momento algum, disseram que tinham acabado de ser vítimas de um crime.

Já o casal afirmou que não abordou Matheus "em razão da cor da pele" do jovem e disse que teriam o mesmo comportamento caso de tratasse de uma pessoa branca. Na semana passada, de Igor Martins Pinheiro, de 22 anos, foi preso pelos agentes da delegacia suspeito pelo furto da bicicleta de Mariana e Tomás.

Em seu apartamento, em Botafogo, foram localizados a bermuda que ele usava no momento do crime e ferramentas, como alicate de corte usado para romper cadeados. Imagens de câmeras de segurança, obtidas por O GLOBO, flagram a ação de Igor, que demorou menos de dois minutos.

A justiça negou a liberdade provisória a Igor, em audiência de custódia no último sábado. Com isso, ele continuará em prisão preventiva, como pediu o Ministério Público do Rio (MPRJ). A decisão foi da juíza Daniele Lima Pires Barbosa, do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ).


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