Há 60 anos, os domingos no país ganharam um rosto, um nome e uma voz. Desde 1963, quando foi ao ar pela primeira vez o "Programa Silvio Santos", que o apresentador e empresário tornou-se tão uma das figuras televisivas mais presentes na vida do público brasileiro. Criador de um dos maiores grupos de comunicação nacionais, Silvio Santos marcou como poucos a história da TV e da cultura brasileira. Neste sábado, dia 17, o comunicador, um dos maiores do país, saiu de cena, aos 93 anos, deixando um legado e uma história imensuráveis.
"Hoje o céu está alegre com a chegada do nosso amado Silvio Santos. Ele viveu 93 anos para levar felicidade e amor a todos os brasileiros. A família é muito grata ao Brasil pelos mais de 65 anos de convivência com muita alegria. Para nós, o Senor Abravanel é ainda mais especial e somos muito felizes pelo presente que Deus nos deu e por todos os momentos maravilhosos que tivemos juntos. Aquele sorriso largo e voz tão familiar será para sempre lembrada com muita gratidão. Descanse em paz que você sempre será eterno em nossos corações", diz o texto do SBT.
Silvio deixa a mulher, Íris Abravanel, com quem estava desde 1974 e se casou em 1981, e seis filhas: Daniela, Patricia, Rebeca e Renata, do casamento com Íris, e Cintia e Silvia, do primeiro relacionamento do empresário, com Maria Aparecida Vieira, conhecida como Cidinha, que morreu em 1977, aos 39 anos, em decorrência de um câncer.
Primogênito de dois imigrantes judeus sefarditas que vieram para o Brasil em 1924, Senor Abravanel, seu nome de batismo, nasceu em 12 de dezembro de 1930, no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro. Com um de seus quatro irmãos, Leon, começou a vender nas ruas da então capital brasileira capinhas plásticas para guardar título de eleitor, nas eleições de 1946, em seu primeiro passo como empreendedor, ainda aos 14 anos.
A voz bem postada de vendedor ambulante chamou atenção e garantiu-lhe um teste na Rádio Guanabara, mas a remuneração não lhe permitiu abandonar a vida de camelô. Após os 18 anos, trabalhando em uma rádio em Niterói, ele iniciou seu primeiro empreendimento oficial, um serviço de alto-falante nas barcas que cruzavam a Baía de Guanabara.
Aos 20 anos, decidiu mudar-se para São Paulo, onde iria apresentar espetáculos e sorteios em caravanas de artistas. Na Rádio Nacional, onde era locutor, conheceu o ator, humorista e autor Manoel de Nóbrega. O criador da "Praça da Alegria" estava em dificuldades para administrar uma empresa de venda de brinquedos por prestações em carnês mensais, chamada Baú da Felicidade. Silvio assumiu o empreendimento, que em1962 viria a se tornar o Grupo Silvio Santos, quando, além de brinquedos, passaria a financiar eletrodomésticos, carros e até casas. O grupo também ganhou um braço financeiro, em 1969, que daria origem ao Banco PanAmericano.
Estreia na TV A carreira de Silvio Santos na TV teve início como uma estratégia para promover o Baú da Felicidade. O empresário comprava horários de meia-hora na faixa nobre das noites de segunda-feira, na TV Paulista, para exibir o programa "Vamos brincar de forca". Na atração, clientes em dia com o carnê do Baú eram sorteados para participar de um jogo da forca no estúdio, no qual concorriam a prêmios.
Três anos depois, o apresentador comprou parte do horário do domingo da mesma emissora, onde estreou, em 2 de junho de 1963, o "Programa Silvio Santos". Com a venda do espólio da TV Paulista para a recém-inaugurada TV Globo, em 1965, o programa passou a fazer parte da grade da emissora carioca, com o apresentador indo ao ar inicialmente apenas em São Paulo e, depois de 1969, em cadeia nacional.
Com o sucesso na telinha e nos negócios, o empresário planejava ter sua própria TV, o que consegue em 1975. Inicialmente batizada de TVS, no canal 11 do Rio, a emissora passou a se chamar Sistema Brasileiro de Televisão, ou simplesmente SBT, quando o grupo ganhou a concessão de outros quatro canais, em 1981.
Nos anos 80, o apresentador tornou-se definitivamente parte do imaginário nacional ao consolidar algumas das principais atrações do "Programa Silvio Santos", desde o "Domingo no Parque", infantil que abria a maratona, até o horário nobre, com destaques como "Qual é a música", "Topa tudo por dinheiro" e "A porta da esperança".
Mas foi o "Show de calouros" que se tornou a marca registrada das noites de domingo no país. Exibida desde 1977, a atração ganhou seu formato mais lembrado na década de 1980, com a bancada de jurados que incluiu, ao longo dos anos, nomes como a cantora Aracy de Almeida, os jornalistas Décio Piccinini, Nelson Rubens e Sônia Abrão, a bailarina Flôr, a atriz Sônia Lima, o ator Pedro de Lara e o humorista e apresentador Sérgio Mallandro.
Crise Depois de cinco décadas de prosperidade, o Grupo Silvio Santos passou por uma situação delicada nos anos 2000. No fim de 2010, foi descoberto um rombo de R$ 4,3 bilhões no Banco PanAmericano, o que levou o empresário a cogitar vender todo o seu império e ir morar nos Estados Unidos. Ele, porém, resolveu empenhar várias de suas empresas para quitar a dívida e acabou apostando suas fichas, principalmente, na Jequiti, que havia sido fundada em 2006. Alguns anos após a crise, o Grupo Silvio Santos se reergueu, tendo faturado US$ 5,9 bilhões em 2013, com um lucro de US$ 800 mil.
Afastamento Silvio Santos estava afastado da apresentação desde o início de 2023. Durante a pandemia, em 2020, ele se ausentou das gravações. Em 2021, ele chegou a retomá-las, mas depois de um tempo, após ser diagnosticado com Covid-19, se afastou novamente. Em 2022, ele voltou ao ar, mas em aparições pontuais. A última vez que foi ao ar um programa gravado sob o comando dele no SBT foi em fevereiro de 2023. Desde então, suas filhas estão à frente de algumas atrações do SBT.
No início de junho de 2023, foi ao ar um especial celebrando os 60 anos do "Programa Silvio Santos", mas sem a presença de Silvio na gravação, que ocorreu em maio. A atração foi comandada pela filha Patricia Abravanel, e o comunicador a assistiu de casa. Nas redes sociais, as filhas mostraram o pai vendo o especial acompanhado da família.
O apresentador é tema de ao menos quatro biografias já lançadas: "Silvio Santos — A trajetória do mito" (Fernando Morgado); "Silvio Santos — A biografia" (Anna Medeiros); "A fantástica história de Silvio Santos" (Arlindo Silva); e "Silvio Santos — Vida, luta e glória" (Rubens Francisco Lucchetti).
Política, carnaval, sequestro e polêmicas no ar Em 1988, o apresentador propôs sua candidatura à Prefeitura de São Paulo pelo Partido da Frente Liberal (PFL), mas não levou a disputa à frente. No ano seguinte, quando o país preparava-se para sua primeira eleição presidencial após 25 anos, incluindo 21 anos de ditadura e outros quatro anos do governo de José Sarney — vice que assumiu após a morte de Tancredo Neves, eleito indiretamente pelo Congresso em 1985 —, Silvio Santos decidiu se lançar candidato pelo inexpressivo PMB (Partido Municipalista Brasileiro). Os planos, contudo, foram frustrados, quando o TSE cassou a candidatura a seis dias do primeiro turno, por entender que o PMB não havia cumprido todos os requisitos para concorrer ao pleito e que o apresentador estaria inelegível por ser dirigente de uma rede de TV, utilizando uma concessão pública. Em 1992, Silvio filiou-se novamente ao PFL (atual DEM), mas não voltou a se candidatar. Mais recentemente, foi um dos maiores apoiadores do governo Jair Bolsonaro.
Em 2001, o apresentador foi homenageado no carnaval carioca com o enredo "Hoje é domingo, é alegria. Vamos sorrir e cantar", da Tradição. O desfile da escola do Campinho, que destacou a trajetória do apresentador desde os tempos de camelô, contou com a presença do próprio, além de outras estrelas do SBT, como Gugu Liberato, Hebe Camargo, Ratinho e Carlos Alberto de Nóbrega.
Também em 2001, no dia 21 de agosto, uma das cinco filhas do apresentador, Patricia Abravanel, foi sequestrada na porta de casa, quando saía para ir para a faculdade, no Jardim Morumbi, em São Paulo. Ela foi liberada alguns dias depois, após pagamento de resgate.
No dia seguinte, um dos sequestradores de Patricia, Fernando Dutra Pinto, invadiu a casa do apresentador. Silvio, que ficou como refém por mais de sete horas, foi libertado com a chegada do então governador Geraldo Alckmin, que garantiu a integridade física do prisioneiro. Em 2002, na cadeia, Fernando morreu em consequência de uma infecção generalizada causada por um corte profundo nas costas. Há indícios de que a morte do detento tenha sido causada por maus tratos e negligência médica.
Nos últimos anos como apresentador, Silvio deu algumas declarações polêmicas, consideradas racistas, machistas e gordofóbicas. Entre outros momentos reprovados pelo público, Silvio foi criticado por falar pejorativamente de cabelos crespos e por brincar de forma inadequada com a cantora Claudia Leitte, a apresentadora Fernanda Lima e a modelo e apresentadora Lívia Andrade.
Em 2003, Silvio concedeu uma entrevista à revista "Contigo", quando estava em Orlando, na Flórida, dizendo que tinha uma doença terminal e que havia vendido o SBT. As declarações, feitas como uma brincadeira, foram publicadas na revista e desmentidas dias depois pelo apresentador.