O relator dos processos que investigam abuso de poder econômico e político nas folhas secretas do Ceperj e da Uerj, desembargador Peterson Barroso Simão, do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ), votou, nesta sexta-feira (17), pela cassação dos mandatos do governador Cláudio Castro, do vice, Thiago Pampolha, e do presidente da Alerj, deputado Rodrigo Bacellar.
O julgamento que teve início por volta das 14h foi suspenso após o pedido de vista do desembargador Marcello Granado. A nova sessão está marcada para a próxima quinta-feira (23). Na retomada dos trabalhos, os sete desembargadores da corte vão avaliar se seguem ou não o voto do relator, que apontou desvios no Ceperj e na Uerj ao longo do ano de 2022.
“O voto do relator é uma vitória da justiça eleitoral, embora o julgamento ainda não tenha terminado”, afirmou a procuradora eleitoral Neide Cardoso.
Além de Castro, também são julgados o vice-governador Thiago Pampolha (MDB), o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), deputado Rodrigo Bacellar (União Brasil), e mais dez réus.
O desembargador votou pela condenação de cassar o mandato de Cláudio Castro, Thiago Pampolha e Rodrigo Bacellar. Simão também votou pela inelegibilidade de Castro e Bacellar pelo período de oito anos, a partir das eleições de 2022.
Ao todo, duas ações pedem a cassação do mandato de todos os acusados. Uma das ações é assinada pelos procuradores regionais eleitorais Neide Cardoso e Flávio Paixão, da Procuradoria Eleitoral do Ministério Público Federal. A outra foi apresentada pela coligação 'Vida Melhor', que teve Marcelo Freixo como candidato ao governo do estado em 2022.
Segundo a denúncia, os envolvidos praticaram "ilícitos eleitorais de abuso de poder político, econômico e condutas vedadas (...), a fim de utilizar a máquina pública, à exclusiva disposição dos investigados, para obter vantagens financeiras ilícitas com recursos públicos e lograrem êxito na reeleição ao Governo do Estado, nas Eleições Gerais de 2022".
Em nota, o governador Cláudio Castro informou que "mantém a sua confiança na Justiça Eleitoral e no respeito à vontade de 5 milhões de eleitores do Estado do Rio de Janeiro que o elegeram em primeiro turno com 60% dos votos".
"É importante ressaltar mais uma vez que as suspeitas de irregularidades ocorreram antes do início do processo eleitoral. Assim que tomou conhecimento das denúncias, o governador ordenou a suspensão de pagamentos e contratações realizadas pelos projetos ligados à Fundação Ceperj e logo depois determinou a extinção deles", informou a defesa do governador.
A defesa de Castro afirma ainda que não foram apresentados nos autos do processo elementos novos que sustentem as denúncias.
Voto do relator O desembargador Peterson Barroso Simão afirmou que os desvios no Ceperj e na Uerj tiveram "caráter eleitoreiro". Simão disse também que cerca de 20 mil pessoas foram contratadas "sem critérios objetivos".
"Nos meses que antecederam as eleições de 2022, valores significativos foram direcionados a Ceperj e distribuídos na boca do caixa bancário para mais de 20 mil pessoas contratadas sem critérios objetivos, com pagamentos sem identificação das pessoas. Alguns eram cabos eleitorais e outros "fantasmas", praticando dessa forma abuso do poder político e econômico, com finalidades eleitoreiras para a reeleição", disse o relator.
"Foi nítido o caráter eleitoreiro, perturbando a legitimidade e normalidade de um pleito de grande dimensão, referente a eleição do chefe de poder executivo do estado", completou Peterson Barroso Simão.
Em seu voto, o desembargador ainda responsabilizou diretamente o governador Cláudio Castro. Segundo ele, os desvios no Ceperj provocaram desigualdade nas eleições.
"É evidente a responsabilidade direta e pessoal do governador e do então presidente do Ceperj, que praticaram ou mandaram praticar, que permitiram que fosse praticada conduta ilícita, objetivando reeleição com sucesso, com distribuição de fortuna a simpatizante, gerando em altíssimo prejuízo ao erário público e a população fluminense", votou.
"Tal situação quebrou a igualdade de oportunidades aos candidatos e influenciou na livre escolha dos eleitores em dimensão desproporcional", comentou o desembargar.
O relator disse que funcionários fantasmas e até presidiários faziam parte da folha de pagamento da Uerj. "Foi nítido o caráter eleitoreiro. A responsabilidade direta de Cláudio Castro permitiu conduta ilícita. Tudo foi muito bem planejado. A quantidade exorbitante em 2022 beneficiou os réus. Está caracterizado abuso de poder político", disse durante a leitura do seu voto.
Independentemente do resultado do julgamento, os citados ainda poderão recorrer da decisão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Detalhes do voto: - Cláudio Castro (Governado do Estado) - cassação de mandato, inelegibilidade por 8 anos e multa de R$ 106 mil;
- Thiago Pampolha (vice-governador) - cassação de mandato e multa de R$ 21 mil;
- Rodrigo Bacellar (deputado estadual e presidente da Alerj) - cassação de mandato e inelegibilidade por 8 anos;
- Gabriel Rodrigues Lopes (ex-presidente da Ceperj) - inelegibilidade por 8 anos e multa de R$ 106 mil;
- Allan Borges (ex-subsecretário) - inelegibilidade por 8 anos;
- Aureo Ribeiro (deputado federal) - absolver por insuficiência de provas;
- Max Lemos (deputado federal) - absolver por insuficiência de provas;
- Leonardo Vieira (deputado estadual) - absolver por insuficiência de provas;
- Gutemberg Fonseca (secretário) - absolver por insuficiência de provas;
- Bernardo Rossi (secretário) - absolver por insuficiência de provas;
- Marcus Venissius da Silva Barbosa (suplente de deputado federal) - absolver por insuficiência de provas;
- Danielle Ribeiro (secretária estadual de cultura) - absolver por insuficiência de provas;
- Patrique Welber (ex-secretário) - absolver por insuficiência de provas
O julgamento no TRE-RJ pode afetar os três primeiros políticos que ocupam a linha sucessória do Governo do Estado do Rio de Janeiro.
Ao fim do processo, caso o governador, o vice e o presidente da Alerj, que ocupam a linha sucessória do Governo do Estado, percam seus mandatos, o chefe do Poder Executivo do Rio será o presidente do Tribunal de Justiça do Rio, o desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo.
Pampolha é exceção Além do pedido de cassação de todos os citados, a ação também pede que todos os acusados, com exceção de Thiago Pampolha, se tornem inelegíveis pelo período de 8 anos, a partir das eleições de 2022.
Segundo os procuradores, a exclusão de Thiago Pampolha da relação de pedidos por inelegibilidade se deve ao fato dele ter entrado na chapa de Cláudio Castro 20 dias antes da eleição de 2022.
A formação original contava com o então prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis (MDB), como candidato a vice-governador na chapa de Castro. Contudo, Reis teve a impugnação do seu registro de candidatura deferido pelo TRE-RJ.
Para os procuradores, quando Thiago Pampolha teve seu pedido de registro de candidatura confirmado, "todos os fatos abusivos desvendados nesta demanda já estavam em curso desde momento pretérito, não sendo razoável presumir a sua participação".
O julgamento O julgamento desta sexta teve início com a fala de Paulo Henrique Teles Fagundes, advogado da coligação que teve como candidato ao Governo do Estado na eleição de 2022 Marcelo Freixo.
Em defesa da cassação de mandato do governador Cláudio Castro (PL), o advogado afirmou que "as eleições foram a verdadeira motivação para se utilizar o Ceperj".
"O número de professores da rede pública do RJ: 27.665. Esse é o tamanho do Ceperj. Nós estamos falando do universo de todos os professores contratados ao longo dos anos por concurso público. (...) Se isso não é abuso de poder com repercussão nas eleições nada mais é", disse Telles.
Em seguida, por 15 minutos, a procuradora eleitoral Neide Cardoso reforçou dados da denúncia que pede além da cassação dos mandatos dos citados, a inelegibilidade pelo período de 8 anos e as multas para cada caso.
Cardoso lembrou dados do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), sobre o aumento dos investimentos no Ceperj entre os anos de 2020 e 2022.
"Nos autos constam planilhas do TCE com dados alarmantes, que na Ceperj houve um aumento do valor empenhado de 502% em 2021, em relação a 2020. Em absurdos 2.139% em 2022. A Ceperj emitiu mais de 91 mil ordens de pagamento em 2022, favoreceu quase 28 mil pessoas físicas no total de R$ 250 milhões de reais".
"Mais de 91% dos valores pagos pela Ceperj foram retirados na boca do caixa, em espécie. Um total de R$ 226 milhões, somente nos sete primeiros meses de 2022", reforçou a procuradora.
Para a procuradora eleitoral, os "ilícitos" ocorreram em ano eleitoral, quando nove dos 11 investigados foram eleitos. Neide Cardoso afirmou que os projetos da Ceperj e da Uerj foram utilizados para ganho eleitoral.
"A máquina pública foi manejada com evidente desvio de finalidade. A ampliação dos projetos, a forma como foram executados, de modo a beneficiar os investigados, nada justifica uma mudança de rumos assim tão drástica em ano eleitoral. (...) Nenhum outro candidato teria condições de se valer de algo parecido para fazer frente a investida ilícita do poder governamental da vez. Foi um jogo desleal e desigual", disse Cardoso.
Após a fala da procuradora, o advogado Eduardo Damian, responsável pela defesa do governador Cláudio Castro, começou a apresentar seus argumentos e questionou a ausência do nome do ex-reitor da Uerj entre os acusados.
“Por que o ex-reitor da Uerj, Ricardo Lodi, não foi incluído?”, questionou. “Há uma deficiência na ação. Ele foi candidato a deputado federal pelo PT", argumentou. Damian disse ainda que Ceperj e Uerj têm autonomia administrativa e financeira.
Na defesa de Catro, Damian lembrou que o governador determinou que os projetos em análise passassem por uma auditoria. Segundo ele, a ordem foi dada assim que surgiram as notícias de possíveis irregularidades.
"Em 18 de julho de 2022, o governador determina uma comissão de auditoria em todos esses processos. (...) Ordem para a Procuradoria Geral do Estado para não recorrer de uma decisão judicial que paralisou os projetos antes do período eleitoral estão dentre as condutas do governador, que demonstram a sua boa fé e colaboração em evitar qualquer interferência no processo eleitoral", disse Eduardo Damian.
Também apresentaram seus argumentos os advogados Bruno Calfat, representando Thiago Pampolha; Tadeu Paim, advogado do ex-presidente do Ceperj, Gabriel Lopes; José Eduardo Rangel de Alckmim, advogado do presidente da Alerj, Rodrigo Bacelar; e Eduardo Ferraz, advogado de Bernardo Rossi. Os advogados dos demais réus também tiveram tempo de fala.
Desvios no Ceperj e Uerj Em dezembro de 2022, a Procuradoria Eleitoral entrou com uma ação contra o governador Cláudio Castro (PL) e mais 11 pessoas por abuso de poder político e econômico através de desvios na Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (Ceperj) e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Segundo os procuradores, os desvios no Ceperj aconteciam por meio de projetos como Esporte Presente, Casa do Trabalhador, RJ para Todos e Cultura para Todos; e na Uerj, por projetos como o Observatório Social da Operação Segurança Presente.
Ainda de acordo com os investigadores, a participação de Castro no esquema fica "nítida" por conta das mais de 40 Casas do Trabalhador inauguradas no primeiro semestre de 2022.
"A quantidade exacerbada de mais de quarenta Casas do Trabalhador inauguradas no período de 5 meses, no primeiro semestre de 2022, deixa nítido o desvio de finalidade de tais atos, com a utilização indevida da máquina e dos recursos públicos acima descrita, que funcionou para alavancar a candidatura dos integrantes do Governo do Estado, especialmente do candidato à reeleição, Cláudio Castro, que não poupou esforços para divulgar a participação em tais inaugurações com seus aliados políticos", dizia o documento.
O Ceperj foi alvo de uma série de denúncias de pagamentos irregulares através do órgão. Segundo o MP, funcionários sacaram mais de R$ 220 milhões em espécie na boca do caixa.
A “folha de pagamento secreta”, como ficou conhecido o esquema, contava com 27 mil cargos temporários no Ceperj e 18 mil nomes na Uerj.
Para os procuradores eleitorais, há uma série de provas contra os acusados. Um dos trechos do parecer da procuradoria classifica a atuação dos citados como "escárnio".
O documento do MPF cita a mulher do irmão do deputado Rodrigo Bacellar, que é vereador em Campos dos Goytacazes, e diz que ela e outras pessoas sacaram mais de R$ 200 mil em dinheiro vivo, sem qualquer comprovação ou transparência das atividades exercidas.
"O escárnio foi tamanho que os saques realizados em Campo dos Goytacazes, reduto eleitoral do 3º investigado, Rodrigo Bacellar, foi estratosférico, inclusive, a sua própria cunhada, a Sra. Barbara Lima, esposa de seu irmão e vereador Marcos Bacellar, na localidade de Campos dos Goytacazes, entre outros, que foram nomeados pela Ceperj, sacaram mais de R$ 200 mil reais em “dinheiro vivo”, sem qualquer comprovação ou transparência das atividades exercidas", dizia o documento.
O que dizem os citados Em nota, os advogados de Cláudio Castro informaram que não foram apresentados elementos novos que sustentem as denúncias.
"A defesa do governador tem prestado todos os esclarecimentos aos órgãos de controle. Após as denúncias, o governador Cláudio Castro determinou a extinção dos projetos da Fundação Ceperj, que está sendo reestruturada. Vale ressaltar também que o nome do governador não é citado em nenhum dos depoimentos".
"A defesa de Cláudio Castro confia na Justiça Eleitoral e afirma que não foram apresentados nos autos do processo elementos novos que sustentem as denúncias", informou a defesa de Castro.
Já a Alerj afirmou que não existe nenhuma conduta a ser imputada ao deputado Rodrigo Bacellar, presidente do legislativo fluminense.
"A instrução probatória demonstrou que não existe nenhuma conduta a ser imputada ao deputado Rodrigo Bacellar. O MP se pautou em matérias jornalísticas que não se submetem ao contraditório. No âmbito processual, nenhuma prova foi produzida para demonstrar qualquer irregularidade imputável ao deputado Rodrigo Bacellar."
A defesa do vice-governador, Thiago Pampolha, disse que o parecer do MPF enviado ao TRE-RJ expressa que "ele não cometeu nenhum ato ilegal e que não há nenhuma prova no processo judicial que possa acarretar sua condenação. Por essa razão, o MPF pediu sua absolvição na pena de inelegibilidade."