22/05/2023 às 17h39min - Atualizada em 23/05/2023 às 00h04min

Julgamento do Tema nº 1.102 pelo Supremo Tribunal Federal: é possível a modulação dos efeitos? 

SALA DA NOTÍCIA Murilo do Carmo Janelli

Fernando Henrique C. Custódio*

 

Questão jurídica de relevo que tem gerado diversos e acalorados debates no meio jurídico é o julgamento do Tema nº 1.102 pelo Supremo Tribunal Federal. 

 

Trata-se da chamada tese da “revisão da vida toda”. 

 

Após anos de debates, o Tema foi finalmente julgado, tendo sido fixada, por apertada maioria, a seguinte tese jurídica: 

 

“O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26.11.1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC 103/2019, tem o direito de optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável”. 

 

 Ou seja, a tese foi julgada favoravelmente aos segurados do Regime Geral de Previdência Social, o que gerará, para aqueles que se encaixam na hipótese, efeitos financeiros favoráveis em termos de revisão da Renda Mensal Inicial do benefício concedido pelo INSS.

 

Sucede que, tão logo publicado o V. Acórdão no Diário Oficial Eletrônico, o INSS apresentou embargos declaratórios, nos quais busca, inclusive e notadamente, a modulação dos efeitos da tese fixada.

 

É o mais recente debate de um longo processo, gerador de grande ansiedade e insegurança por parte dos aposentados, que não conseguem ver o fim desta novela. 

 

O presente e sucinto artigo busca, de forma muito objetiva, analisar juridicamente o pleito formulado pelo INSS, em termos de viabilidade jurídica.

 

Nesse diapasão, é certo que a figura da modulação de efeitos das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal possui arrimo legal expresso no artigo 27, da Lei nº 9.868/1999, que disciplina “o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal”.

 

Assim dispõe referido artigo: 

 

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. 

   

Sucede que, em primeiro lugar, está-se diante de autorização legal voltada única e exclusivamente ao julgamento de ações específicas e especiais, voltadas ao controle concentrado de constitucionalidade de lei e atos normativos.

 

Ou seja, é técnica de julgamento voltada ao controle abstrato de constitucionalidade, e não ao julgamento de causas individuais e concretas. 

 

Assim, por evidente, não é técnica aplicável ao julgamento de demandas individuais, mesmo que em sede de Recurso Extraordinário, mas apenas e tão somente voltadas ao julgamento de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN) e Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADECON). 

 

Em segundo lugar, é técnica de julgamento aplicável aos casos de análise de constitucionalidade de norma legal ou ato normativo.

 

Por decorrência, não se aplica aos casos de julgamento de demanda na qual não se tenha examinado constitucionalidade de lei ou ato normativo.

 

No caso do julgamento da tese da “revisão da vida toda”, não se realizou análise de constitucionalidade de norma legal ou ato normativo, tampouco o julgamento se deu em sede de controle concentrado de normas.

 

Portanto, é evidente que não cabe a aplicação da técnica da modulação dos efeitos, na disciplina do artigo 27, da Lei nº 9.868/1999, no presente caso.

 

Ausente qualquer artigo que preveja tal mecanismo no Código de Processo Civil, resta analisar se a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei nº 4.657/1942) traz alguma disciplina a abarcar a técnica da modulação dos efeitos. 

 

Alega o INSS em seus embargos de declaração que a modulação dos efeitos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema nº 1.102 seria possível com base no artigo 23, de referida lei, que assim prescreve:

 

Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.  

 

Não vislumbro na redação legal qualquer técnica de modulação de efeitos da decisão proferida pelo Pretório Excelso em termos de limitação temporal de sua eficácia jurídica, que deverá ser retroativa.

 

O que referido artigo traz é a necessidade de que a nova interpretação, impositiva de novo dever à Administração Pública, venha acompanhada de balizas que permitam o seu cumprimento no tempo de forma proporcional, equânime e eficiente. 

 

Trata-se de regra voltada, de forma muita clara, a decisões judiciais inovadoras de deveres em termos de Políticas Públicas, em casos de introdução de novas obrigações de fazer à Administração Pública que impliquem na necessidade de criação de novas estruturas voltadas ao cumprimento de referidas obrigações.

 

São casos notadamente de obrigações de fazer, de caráter universal e impessoal, o que, à evidência, não é o caso da tese da “revisão da vida toda”.

 

O Tema nº 1.102 do STF cuidou de garantir a aplicação, dentre duas regras igualmente existentes, daquela mais favorável ao segurado, não cuidando sequer de conteúdo indeterminado, o que é pressuposto para a aplicação da regra do artigo 23, da LINDB.

 

Ademais, trata-se de condenação em obrigação de pagar, voltada unicamente àqueles segurados que possuem melhor cálculo de RMI por meio da aplicação da regra permanente. 

 

Ou seja, não se trata de obrigação de fazer, muito menos de política pública voltada a todos os segurados do RGPS.

 

Não há, portanto, como se extrair do conteúdo da regra do artigo 23, da LINDB a técnica de julgamento da modulação de efeitos, tampouco é tal regra aplicável ao caso envolvendo o julgamento do Tema nº 1.102 pelo STF.

 

Assim, concluo este artigo defendendo a ideia de que não há fundamento legal para que se realize a modulação de efeitos da decisão proferida pelo Pretório Excelso no julgamento do Tema nº 1.102.

 

*Fernando Henrique C. Custódio é Juiz Federal, graduado e mestrado pela USP


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