Jorge Calazans* Infelizmente, a expressão popular “a ocasião faz o ladrão” também é aplicada no universo dos investimentos financeiros no Brasil. O tema ‘investimentos’ tem crescente interesse, impulsionado pelo surgimento de novos produtos e novos ativos, como as criptomoedas, o que também atrai golpistas e criminosos ao mercado que, com seus esquemas fraudulentos e falsas promessas, acabam por fazer um número cada vez maior de vítimas.
Para entender o tamanho do problema, basta observar alguns dados. Em 2019, por exemplo, a pesquisa “Fraudes em Investimentos no Brasil”, conduzida pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), apontou que um em cada dez (11%) brasileiros já haviam perdido dinheiro em investimentos fraudulentos, principalmente em esquemas de pirâmide. A mesma série das pesquisas, em estudo mais recente, revelou que no ano de 2021, 13,9% dos internautas brasileiros tinham perdido dinheiro em algum investimento fraudulento, o que representa um contingente de 1,3 milhão de pessoas somente em 12 meses.
Não para por aí. Através de um estudo exclusivo, o escritório Calazans e Vieira Dias Advogados identificou mais de 1300 empresas de investimentos fraudulentas no Brasil, onde se estima que elas captaram nos últimos cinco anos aproximadamente 1/6 do valor do PIB nacional, o que evidencia a complexidade desse mercado.
A criatividade é uma das características utilizadas pelos criminosos, que executam as fraudes em diversos formatos, entre eles golpes com o uso de criptomoedas ou através das chamadas pirâmides financeiras. Entre os investidores que já perderam dinheiro em investimentos fraudulentos no Brasil, 40% entraram em esquema de Pirâmide/Ponzi, 17% sofreram o golpe da seguradora com pagamento antecipado de taxas e/ou despesas e 13% contrataram serviço de gestão/consultoria/análise de investimentos sem o devido registro profissional da CVM.
Esses altos números não são sem razão. Alguns fatores ajudam a formar a ocasião aos golpistas. O primeiro é a falta de educação financeira. Muitas pessoas não compreendem completamente os riscos envolvidos em investimentos financeiros, o que as torna vulneráveis a esquemas fraudulentos. Soma-se à falta de conhecimento a disposição em correr riscos em busca de altos retornos prometidos e o ambiente se torna propício para a exploração dos fraudadores.
A impunidade em relação aos responsáveis por fraudes financeiras é outro fator bastante relevante e pode encorajar a prática desses crimes, uma vez que os responsáveis não são punidos de forma efetiva. Além disso, a demora na conclusão dos processos judiciais e a falta de efetividade na recuperação dos valores perdidos pelos investidores são questões que ainda são enfrentadas no país.
Nesse aspecto, chama a atenção o fato de que, embora esse tipo de golpe tenha crescido exponencialmente nos últimos anos, o número de operações com medidas assecuratórias patrimoniais e pessoais efetuadas pela polícia federal e polícias estaduais é muito inferior, não tendo ultrapassado 60 entre os anos de 2018 e 2022. A discrepância entre esses números pode estar relacionada a diversas causas, como a falta de recursos e a complexidade das investigações. Mais além, é importante destacar que esse tipo de medida não garante a recuperação integral dos valores investidos, mas, sim, o início de um processo que pode levar à responsabilização dos criminosos e à devolução dos valores para as vítimas.
Embora o número de medidas assecuratórias patrimoniais e pessoais seja muito aquém do necessário, há que se destacar o empenho da divisão de repressão contra crimes financeiros, no âmbito da Polícia Federal, que entre os anos de 2018 e 2022 realizaram 486 operações, com a apreensão de R$ 4.306.194.830,76, dos quais 28 operações foram contra empresas de investimento fraudulentas, ou seja, apenas 5,35% do total, mas que representam 40% do valor apreendido. Por isso, é importante que a Polícia Federal e outras instituições responsáveis pela fiscalização e repressão dos crimes financeiros tenham os recursos e poderes adequados para investigar e punir essas empresas, além de prevenir novas formas de fraude financeira.
É preciso ressaltar que a luta contra as empresas fraudulentas de investimento é um desafio constante, que requer uma atuação conjunta e constante por parte das autoridades competentes, empresas reguladoras, investidores e sociedade em geral. O caminho que leva para as soluções passa por desafios como o combate à impunidade, a promoção da transparência e da ética no mercado financeiro, a fim de garantir a segurança jurídica e a proteção dos investidores, e o investimento em educação financeira para toda a sociedade. A construção de um mercado financeiro mais justo, seguro e ético é um processo que depende do esforço e comprometimento de todos os envolvidos.
*Jorge Calazans, advogado criminalista, sócio do escritório Calazans e Vieira Dias, especialista na defesa de investidores vítimas de fraudes financeiras