Sheyner Yásbeck Asfóra*, Ana Paula Trento** e Izadora Barbieri ***
Foi proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4768, objetivando que o artigos 18, inciso I, alínea “a” da Lei Complementar nº 75/1993 e o artigo 41, inciso XI, Lei nº 8.625/1993 fossem declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.
Os fundamentos utilizados foram os de que "a rigor, tais dispositivos são inconstitucionais por evidente afronta aos princípios da isonomia, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, expressamente agasalhados pelo art. 5º caput e seus incisos I, LIV e LV, da Carta Magna, posto que as normas combatidas estabelecem ampla e irrestrita prerrogativa ao Ministério Público de sentar-se lado a lado com o magistrado em detrimento do advogado, mesmo quando atua o parquet simplesmente na qualidade de parte. Respeitosamente, não se trata, puramente, de discussão secundária e pequena, vez que a posição de desigualdade dos assentos é mais do que simbólica e pode, sim, influir no andamento do processo. O cidadão, representado pelo advogado, não é menos importante do que o Estado, simbolizado pelo magistrado ou pelo membro do Ministério Público, valendo lembrar a máxima nas democracias modernas que o Estado deve servir ao cidadão e não está acima da Constituição Federal”, é o que consta na inicial subscrita pelo CFOAB.
A referida discussão não é nova. A questão da paridade de armas entre acusação e defesa, no processo penal brasileiro, já vem sendo discutida com maior frequência com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988.
O fato do representante do Ministério Público sentar-se ao lado do(a) magistrado(a), influencia, sobremaneira, na mentalidade da população leiga, especialmente quando se estar diante do cenário do Tribunal do Júri, em que defesa e acusação, pleiteiam teses diametralmente opostas, frente aos jurados, e o Promotor de Justiça estar ao lado do(a) juiz(a) pode significar que a tese acusatória seria ser a mais acertada, por exemplo.
Nessa mesma linha, asseveram André Peixoto de Souza, Carla da Rosa Pereira e Laila Marque que “ao tratar da questão em âmbito de Tribunal do Júri, a circunstância se torna ainda mais sensível, considerando o sistema da íntima convicção de cidadãos do povo. Para tanto, quando o que se está em pauta é a análise dos fatos pelos jurados, uma vez que esses terão o dever de enfrentar as teses de acusação e de defesa em plenário, visando à formação do convencimento acerca da culpa ou inocência do acusado, a primeira provocação requer responder o que o ambiente dos Tribunais do Júri sugere como verdadeiro. De pronto, a simbólica proximidade física entre Juiz e Ministério Público representa, no mínimo, um desnível entre esses e a defesa”.
De acordo com o eminente professor e advogado criminalista Aury Lopes Jr. “quando o acusador senta ao lado do julgador, e ambos, afastados da defesa, isso é sintoma de um processo penal primitivo, retrógrado e tendencioso. Não se pode diminuir a importância da luta pelo fim desse "espaço cênico", porque isso é fundamental para mudar comportamentos e a cultura judiciária. Em nenhum sistema judicial minimamente democrático e processualmente evoluído uma cena assim é admissível.”
A relatora da referida ADI foi a ministra Carmen Lúcia, a qual proferiu seu voto validando a constitucionalidade dos dispositivos em julgamento que teve início no dia 17/11/2022.
Para a ministra, o representante do Ministério Público sentar-se à direita do juiz não configura vantagem, e tampouco fere a isonomia processual; segundo a ministra, o juiz, advogado, e membros do Ministério Público exercem funções distintas no processo penal, afirmando o seguinte:
"Não consigo verificar incompatibilidade a partir de elemento concreto autorizativo da conclusão de que a proximidade física, nesse espaço da sala de audiência ou de julgamentos, do membro do MP com o juiz, influencia ou compromete a parcialidade do magistrado na condução de audiência de instrução ou na prolação da sentença."
Portanto, a ministra votou no sentido de julgar improcedente a ADI e a consequente declaração de constitucionalidade dos dispositivos atacados. No entanto, certificou que o poder legislativo redimensione, exclua, ou transfira essa mesma prerrogativa aos advogados.
Nessa toada, e dentro dessa imperiosa necessidade, foi idealizado pela Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas - Abracrim, por intermédio da Diretoria Legislativa da comissão nacional da Abracrim Mulher, a realização de um estudo jurídico com o objetivo de se propor a apresentação de um Projeto de Lei, com o escopo especifico de alterar a estética do Tribunal do Júri e, assim, obter maior paridade de armas entre acusação e defesa com a garantia concreta da isonomia dos julgamentos.
O estudo jurídico está em fase adiantada e segue sendo elaborado por um Grupo de Trabalho, formado por advogados e advogadas criminalistas, associados da Abracrim.
No dia 23/11/2022, a referida ADI, em sessão plenária, teve seu julgamento concluído, momento o qual o STF, por maioria, conheceu da ação direta e julgou improcedente o pedido formulado, nos termos do voto da ministra relatora, vencidos, em parte, os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que julgavam parcialmente procedente a ação para dar interpretação conforme os dispositivos impugnados, nos termos de seus votos e, em menor extensão, a ministra Rosa Weber, que conferia interpretação conforme a Constituição Federal aos mesmos dispositivos exclusivamente quanto aos julgamentos pelo Tribunal do Júri.”
Em paralelo a isso, na data de 27 de dezembro de 2022, foi sancionada a Lei 14.508 que altera o art. 6º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para estabelecer normas sobre a posição topográfica dos advogados durante audiências de instrução e julgamento.
Referido dispositivo não alcança a advocacia Criminal, o que torna a Lei, por si só, não isonômica e injusta. Algo precisa e será feito.
“Não se iludam, essa é uma alteração cosmética e que não gera qualquer modificação no processo penal, pois não atinge o MP, que continuará sentando ao lado do juiz, em nítida superioridade estética em relação à defesa. E no júri, aos olhos dos jurados, essa falta de estética de partes iguais entre acusador e defesa é gravíssima, um obstáculo insuperável para quem busca um processo justo e democrático, do Século XXI”, afirmou Aury Lopes Jr., que é presidente da Comissão nacional de Defesa das Prerrogativas da Advocacia Criminal da Abracrim.
Ressalte-se, por oportuno, uma emenda de plenário que foi apresentada durante o trâmite no Senado Federal, porém rejeitada pelo relator sob o argumento de que o Poder Executivo é que seria o competente para propor a alteração pretendida que passaria a conferir paridade de armas entre as partes, defesa e acusação, no processo penal, em especial no Júri, justificando que alterar a posição do membro do Ministério Público durante as audiências de instrução e julgamento realizadas perante o Poder Judiciário é de iniciativa, segundo a Constituição Federal, privativa do Presidente da República, pois estaria dispondo sobre a organização do Ministério Público.
O presidente da OAB nacional, Beto Simonetti, considera que a lei consolida a paridade de armas entre aqueles que atuam em um processo judicial, afirmando que: “Mais do que simbologia, a posição equidistante de advogados evidencia o que já dizia a lei, de que não há hierarquia entre advogados, membros do Ministério Público ou juízes. Os advogados das partes são representantes dos cidadãos e não podem ficar em posição inferior ao Estado Juiz. Essa igualdade agora estará simbolizada no plano topográfico nas audiências".
De fato, trata-se de uma reafirmação legal e benéfica para a advocacia, uma vitória, sim, para a advocacia. Dentro do entendimento da ministra relatora, buscaremos o legislativo no afã de que a mesma prerrogativa seja conferida aos advogados, nem que isso signifique reafirmar leis e entendimentos amparados em princípios constitucionais.
A Abracrim seguirá, incansavelmente, defendendo as prerrogativas da advocacia criminal e lutando por conquistas das obviedades diárias na preservação das garantias fundamentais e pelo fortalecimento do estado democrático de direito.
*Sheyner Yásbeck Asfóra é Presidente Nacional da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim)
** Ana Paula Trento é Secretária-Geral da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) e Presidente da Abracrim Mulher Nacional
*** Izadora Barbieri é Diretora legislativa da Abracrim Mulher Nacional