O Supremo Tribunal Federal (STF) poderá definir até a próxima quarta-feira (9) a discussão sobre a possibilidade de execução imediata de condenação imposta pelo Tribunal do Júri. O julgamento em Plenário Virtual foi retomado no último dia 28 de outubro e o placar até o momento está em quatro votos a dois no sentido de que o condenado pelo Tribunal do Júri pode ser preso logo após a prolação da sentença. Já apresentaram seus votos os ministros Luís Roberto Barroso (relator), Dias Toffolli, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes, a favor, além de Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que se manifestaram contra. Restam se manifestar a ministra Rosa Weber e os ministros Luiz Fux, Edson Fachin, André Mendonça e Kassio Nunes Marques. De acordo com advogados criminalistas, a possibilidade é inconstitucional, pois afronta princípios norteadores da Constituição Federal e decisões recentes da Corte Superior.
Na visão do
presidente nacional da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), Sheyner Asfóra, “a decisão final da Suprema Corte, caso seja a de se permitir a execução imediata das condenações proferidas pelo Tribunal do Júri, resultará na supressão de garantias processuais e constitucionais. Será um duro golpe no Estado de Direito, no sistema processual penal que assegura a todos os acusados o direito ao exercício do duplo grau de jurisdição, sendo esse, inclusive, um princípio e normativo previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos, além de ofender o consagrado princípio constitucional da presunção de inocência. Será uma decisão até mesmo contraditória em relação ao que o próprio STF já decidiu sobre a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena quando do julgamento em conjunto das ADCs 43, 44 e 54."
Para a
vice-presidente da Abracrim Adriana Spengler, “admitir a constitucionalidade da alteração legislativa seria naturalizar uma prisão sem preencher os requisitos cautelares que a fundamentariam. Nesse sentido, inclusive, propiciando o surgimento de teses visando o enfraquecimento da presunção de inocência em confronto com a soberania dos veredictos, fulminando a harmonia existente atualmente entre esses dois princípios. Deve ser levado em consideração, por fim, que a quantidade de pena aplicada numa condenação não define um réu mais ou menos culpado”.
A
secretária-geral da Abracrim, Ana Paula Trento, entende que a tese de julgamento do Recurso Extraordinário 1235340 (que tem por objeto tema de repercussão geral) for ratificada pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, “tal decisão representará um retrocesso por ofensa à Constituição Federal e a todo histórico garantista conquistado no vigente Estado Democrático de Direito”. A advogada criminalista afirma, ainda, que a tese de que "a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada" é, ao seu sentir, “inconstitucional por ofender direitos fundamentais do cidadão”, concluiu.
Para o
advogado Aury Lopes Jr., presidente da comissão nacional de defesa das prerrogativas da advocacia criminal da Abracrim, a possibilidade da execução imediata de condenação imposta pelo Tribunal do Júri é flagrantemente inconstitucional. "A decisão do STF representa um gravíssimo retrocesso. Júri é um órgão de primeiro grau de jurisdição, sendo um erro gigantesco admitir uma prisão antecipada, sem nenhuma natureza cautelar ou necessidade, desconsiderando que da decisão do tribunal do júri cabe recurso de apelação com ampla discussão sobre questões formais e de mérito, com alto índice de reversibilidade (ou seja, por erro no julgamento pelo júri). Tanto a instituição do júri como a soberania dos jurados estão inseridos no rol de direitos e garantias individuais, não podendo servir de argumento para o sacrifício da liberdade do próprio réu. Utilizar o argumento da soberania dos jurados para justificar uma prisão antecipada, é uma visão bastante obtusa e equivocada. Por fim, releva-se desproporcional, pois em relação a condenações a penas mais elevadas, por outros crimes que não são de competência do júri, continuará sendo inconstitucional a execução antecipada da pena. Enfim, a decisão representa um gravíssimo retrocesso civilizatório", afirma.
O
procurador-geral da Abracrim Thiago Minagé reforça que a com a Lei nº 13.964/2019 em sintonia com o Supremo Tribunal Federal, que julgou as ADC’s de n.º 43, 44 e 54, ficou pacificado o entendimento de que o 283 do CPC é constitucional. "Ficou vinculado, assim, o entendimento de que a execução pena privativa de liberdade só poderá ser iniciada após o trânsito em julgado da condenação. Entretanto, a reforma parcial do CPP de 2019, trouxe contrariedade a si própria, ao Código de Processo Penal, à Constituição e ao próprio entendimento da Suprema Corte, quanto ao disposto na atual redação do art. 492, I, "e", que permite a execução provisória da pena em casos de condenação com pena a partir de 15 anos. Ou seja, estamos diante de uma possibilidade de execução provisória da pena, já refutada. Não se tratando de prisão preventiva, por impossibilidade expressa do art. o artigo 313, §2º, que prevê impossibilidade de decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena. Não há que se falar em execução provisória da pena e muito menos em uso de prisão preventiva como forma de antecipação de pena”, aponta.
ADI Sheyner Asfóra relembra que a Abracrim ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal contestando dispositivos legais do Código de Processo Penal que prevê a prisão automática do réu condenado a 15 anos ou mais pelo Tribunal do Júri.
"Para a Abracrim, a prisão automática fere a presunção de inocência e desrespeita a garantia do acusado ao exercício do duplo grau de jurisdição. Trata-se do artigo 492, alínea "e", e parágrafos 3º, 4º e 6º do CPP, introduzidos na normativa pela lei "anticrime" (Lei 13.964/2019). De acordo com o dispositivo, "no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão" deverá ser determinada "a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão", revela o presidente.
Na ação, a Abracrim reforça que a violação da presunção de inocência, assegurada pelo artigo 5º, LVII, da Constituição, e o próprio CPP, que garante, no artigo 283, que ninguém pode ser preso antes do trânsito em julgado, com exceção do flagrante delito ou de cautelar escrita e fundamentada por autoridade judicial.
"Esses aspectos, por si só, são absolutamente relevantes, demandando que essa colenda Suprema Corte Constitucional declare sua inconstitucionalidade, considerando-se a necessidade de preservar a ordem constitucional, bem como evitar a insegurança jurídica com a vigência de dispositivo legal que afronta, diretamente, a ordem constitucional e, para não ficar a mercê, de apreciação aleatória dos tribunais estaduais ou federais e mesmo dos juízos de primeiro grau", diz a ADI.
Ainda, segundo a Abracrim, a presunção de inocência "é no Brasil um dos princípios basilares do Direito Constitucional, responsável por tutelar a liberdade dos indivíduos". "O texto constitucional brasileiro foi eloquente e incisivo: exige como marco da presunção de inocência o 'trânsito em julgado da sentença penal condenatória'".
Para o
advogado criminalista e doutrinador Cezar Roberto Bitencourt, que subscreve a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.735 em que a Abracrim figura como autora, a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri não os torna imunes à submissão ao princípio do duplo grau de jurisdição, inclusive, quanto ao exame de mérito, especialmente na hipótese de decisão manifestamente contra a prova dos autos.
"Com a nova redação da alínea "e" do inciso I do art. 492 do CPP e os acréscimos dos respectivos parágrafos, pela Lei. 13.964, passou a admitir a execução antecipada da pena de prisão decorrente de sentença do Tribunal do Júri, quando a pena aplicada for igual ou superior a 15 anos de reclusão. Tornou-se exceção, ou melhor dito, contrariou o disposto no inciso LVII do art. 5° da Constituição Federal, aliás, ratificada pela decisão conjunta no julgamento as ADCs 43, 44 e 54 pela colenda Corte Suprema, que julgou constitucional a previsão constante do art. 283, que repete a previsão constante do dispositivo constitucional supra mencionado. Dessa forma cria-se, inconstitucionalmente, uma exceção à proibição contida no mencionado dispositivo constitucional, ao autorizar decisões do Tribunal do Júri a antecipar a execução de pena, antes do trânsito em julgado. E o mais grave, decisão de juiz togado, com todas suas garantias constitucionais não pode determinar a execução antecipada, esbarrando na proibição constitucional, mas o legislador ordinário autoriza que decisão de juízes de fato, que não fundamentam a decisão e não examinam a prova, possa ser cumprida antecipadamente”, conclui.