Marcelo Aith* O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), nessa última segunda-feira (29), levantou o sigilo da decisão que autorizou a buscas e apreensões contra empresários bolsonaristas que, pelo aplicativo WhatsApp, defenderam um golpe de Estado. Analisando, detidamente, a fundamentação exarada pelo ministro, não há como deixar de reconhecer a sua fragilidade.
Conforme preconiza Aury Lopes Júnior a busca e apreensão “é uma medida instrumental, cuja finalidade é encontrar objetos, documentos, cartas, armas, nos termos do art. 240, com utilidade probatória. Encontrado, é o objeto apreendido, para, uma vez acautelado, atender sua
função probatória no processo”.
Não se pode perder de vista que a busca e apreensão encontra-se em posição antagônica a inviolabilidade do domicílio; a dignidade da pessoa humana; a intimidade e a vida privada e a incolumidade física e moral do indivíduo. Ou seja, em flagrante tensão com esses caros direitos e garantias fundamentais.
A consciência da gravidade e violência que significa a busca domiciliar “permite compreender o nível de exigência que um juiz consciente deve ter ao decidir por uma medida dessa natureza, devendo exigir a demonstração do fumus commissi delicti, entendendo-se por tal uma prova da autoria e da materialidade com suficiente lastro fático para legitimar tão invasiva medida estatal”, consoante assevera Aury Lopes Júnior.
A Polícia Federal, na representação formulada ao Supremo Tribunal Federal, aponta que “há a concertação das pessoas envolvidas no sentido de dissimular a atividade irregular de patrocínio da campanha como atos patrióticos” e que está “demonstrada a consciência da ilicitude de referida articulação quando os interlocutores demonstram a preocupação de não incidirem abertamente em tipos penais específicos da legislação”.
Além disso, ressaltou a Polícia Federal que “mensagens de apoio a atos violentos, ruptura do Estado democrático de direito, ataques ou ameaças contra pessoas politicamente expostas têm um grande potencial de propagação entre os apoiadores mais radicais da ideologia dita conservadora, principalmente considerando o ingrediente do poder econômico e político que envolvem as pessoas integrantes do grupo” e, ainda, que “tais mensagens demonstram a intenção, bem como apresentam a potencialidade de instigar uma parcela da população que, por afinidade ideológica e/ou por subordinação trabalhista (funcionários dos empresários), é constantemente utilizada para impulsionar o extremismo do discurso de polarização e antagonismo, por meios ilegais, podendo culminar em atos extremos contra a integridade física de pessoas politicamente expostas ou proporcionar condições para ruptura do Estado Democrático de Direito”
O ministro Alexandre de Moraes, ao examinar a representação proposta pela Polícia Federal, asseverou que "Não há dúvidas de que as condutas dos investigados indicam possibilidade de atentados contra a Democracia e o Estado de Direito, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a Democracia" "não há dúvidas da possibilidade de "atentados contra a democracia e o Estado de Direito" na conduta dos empresários".
O ministro destacou, também, que fatos apurados em dois inquéritos, dos quais é relator, tornam imprescindíveis investigações sobre os empresários. Os inquéritos são o das “fake news”, que apuram disseminação de informações falsas; e o “das milícias digitais”, que investiga grupos organizados que atuam na internet contra as instituições democráticas.
Segundo Moraes, as mensagens trocadas pelos empresários se assemelham aos casos investigados nesses dois inquéritos, "notadamente pela grande capacidade socioeconômica do grupo investigado, a revelar o potencial de financiamento de atividades digitais ilícitas e incitação à prática de atos antidemocráticos".
Ao autorizar as buscas e apreensões nos endereços dos investigados, Moraes afirmou que havia indícios de crime que justificavam a procura por provas. A ação, segundo ele, estava "devidamente motivada em fundadas razões que, alicerçadas em indícios de autoria e materialidade criminosas, sinalizam a necessidade da medida para colher elementos de prova relacionados à prática de infrações penais".
Destaque-se, ainda, que o ministro ressaltou que “Os fatos noticiados nestes autos apontam relevantes indícios da prática dos crimes previstos nos arts. 286, parágrafo único, 288, 359-L e 359-M, todos do Código Penal, bem como do art. 2º da Lei 12.850/13”.
Ousamos discordar do eminente ministro, uma vez que as mensagens trocadas entre os empresários bolsonaristas são meras cogitações, falas aleatórias, sem um mínimo de concretude, que pudesse evidenciar um início de atividade criminosa. O iter criminis, para possibilitar a busca e apreensão, medida extremada e violenta à liberdade e privacidade de qualquer cidadão, deve ultrapassar a esfera da cogitação e preparação, iniciando a fase da execução, o que nem de longe foi demonstrado na espécie. O ministro pautou sua decisão em meras conversas privadas, que não saíram dessa esfera. Com todo respeito ao ministro Alexandre, Sua Excelência determinou medidas invasivas pautado em condutas impuníveis (cogitação e preparação). O Plenário da Corte terá que se debruçar sobre essa questão, sob pena de se perpetuar uma flagrante ilegalidade.
*Marcelo Aith é advogado, latin legum magister (LL.M) em direito penal econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP, especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca, professor convidado da Escola Paulista de Direito, mestrando em Direito Penal pela PUC-SP e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da ABRACRIM-SP