15/12/2019 às 16h06min - Atualizada em 15/12/2019 às 16h06min

A boa semeadura

Na infância aprendi uma pequena história, contada e repassada em família

Professor Sileno Martinho
Reprodução
A BOA SEMEADURA
  Na infância aprendi uma pequena história, contada e repassada em família. Falava sobre um menino, que um belo dia junto com seu pai, foi parado numa batida policial. O pai estando com a documentação do veículo irregular, subornou o policial e seguiu adiante. Questionado pelo filho falou com a maior naturalidade “tudo bem filho, todo mundo faz igual”. Ao chegar aos dez anos, ele assistiu um diálogo em família sobre a melhor maneira de sonegar impostos. Questionando, recebeu a mesma resposta “tudo bem filho, todo mundo faz igual”.

   Aos doze teve lições de como burlar a legislação previdenciária. Aos quinze o seu treinador começou a ensinar-lhe como dar cotoveladas no adversário sem que o juiz percebesse. Mais tarde na mercearia do avô, foi ensinado a colocar frutas estragadas no meio das boas além de adulterar a tara da balança. Finalmente aos vinte anos estava preso por conduta irregular.

   Esta pequena história contada e recontada tantas vezes, demonstra como construímos nossos valores éticos através de sucessivas gerações e conduz a novas reflexões sobre o tema. Lógico que não devemos sair procurando culpados e nem generalizando. Nossa crise é antiga e envolve todos: educadores, legisladores e sociedade. Vivemos um eterno dilema entre o ser e o ter, o defensável e o indefensável, o legal ético e o legal não ético, o moral e o imoral. As seguidas eleições de políticos envolvidos em atos ilícitos retratam a cara de um País que se debate entre o herói e o anti-herói, onde o certo e errado são “relativos” e se confundem o tempo inteiro. Jamais podemos esquecer que uma sociedade é fruto das suas próprias experiências. O poeta espanhol Antonio Machado adverte “caminhante o caminho se faz ao caminhar”.

   A questão não é querer ser mais realista que o rei ou colocar-se acima do padrão vigente, mas levantar a discussão sobre como romper com os velhos paradigmas e adotar uma postura de não conformidade diante de fatos que não deveríamos aceitar com tanta naturalidade. A psicologia ensina que neurose é fazer tudo igual e esperar resultado diferente. Então, cabe a nós, enquanto sociedade organizada empunhar a bandeira de uma nova ordem, pautada na renovação de valores e atitudes. Delegar é perder o bonde da história.  Pertence a Ghandi a seguinte definição: “o processo de mudança começa por você”.

   Não é porque convivemos com crises de valores em todos os segmentos, que devemos adotar o discurso simplista de “tudo bem, tudo mundo faz igual”. Urge promover rupturas e iniciar um processo de reconstrução, sem as mazelas sociais amplamente detectadas e que provém de longa data. Este é o grande desafio que temos pela frente. “Não cabe julgar o pecador, mas refletir sobre o pecado”. Aprender com o passado, significa prioritariamente não cometer os mesmos erros. Aí reside a esperança de uma nova sociedade pautada em valores éticos e morais bem definidos. È uma missão que devemos abraçar, se não para ser vivenciada por nós, mas para deixar como legado às futuras gerações. Mudar uma cultura não é fácil, mas nesse caso é uma boa semeadura. Vale a pena começar. Pense nisso.
 
Sileno Martinho é professor universitário e consultor.
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