18/10/2021 às 03h32min - Atualizada em 18/10/2021 às 03h08min

FESTA DE DIA DAS CRIANÇAS NA ESCOLA NÃO DEVERIA RIMAR COM DOR, TRISTEZA E SOLIDÃO

Omar Heart
Hoje vou dividir com vocês o relato da Taís dos Santo Abel, uma mãe atípica que luta incansavelmente pelos direitos da sua filha, e viu sua filha ser vítima de capacitismo pela diretora e toda equipe pedagógica da escola municipal São João Batista que fica no município de São João de Meriti.

Festa de dia das crianças na escola não deveria rimar com dor, tristeza e solidão
 Mas quando se trata de uma criança autista, trata-se de uma cena comum.
Eu sabia que isso um dia iria acontecer, mas não estava pronta.
O dia em que a minha filha seria rejeitada pela escola.
Um ambiente que não se vê como capacitista e nem conhece o significado do termo.
Num ambiente que tem um olhar distorcido do que é inclusão.

Sou sempre uma mãe paciente.
Sou amiga da escola.
Entendo que a inclusão é responsabilidade de todos, uma vez que não fomos preparados para isso.
A maioria de nós nunca estudou com um autista.
Por isso, sempre me coloquei bastante à disposição e a escola sempre foi um lugar seguro para Diana.
Hoje, a mãe paciente desapareceu e me envergonhei.
Algumas horas depois de muito choro, consigo refletir sobre o ocorrido.

Já estava sendo preparada para este momento há tempos e não sabia.
Em 2021, matriculamos Diana numa escola referenciada por amigos.
Na minha visão, iríamos estar seguras lá.
Fomos bem recepcionados pela equipe numa reunião online.
A professora, coordenadora e orientadora estavam muito interessadas em conhecer a Diana e trabalhar com ela.
Após essas duas horas de reunião, as atividades online visavam atender a Diana de alguma forma.
Era uma música do Bita, que ela gostava, porém as perguntas deviam ser respondidas por áudio.
Um pequeno detalhe: Diana é não – verbal.
Outras atividades neste perfil eram postadas e eu fui paciente, tranquila e compreensiva.

Fiz adaptações e postava no grupo da escola para sinalizar que Diana estava ali.
Eu entendia que era meu papel enquanto mãe incluir minha filha nas atividades.
Aí veio o tal comunicado do ensino híbrido.
Recebi -o com muito temor, pois teríamos que lidar com essa novidade, pós negação do plano de saúde em custear o tratamento dela e consequentemente com a rotina terapêutica reduzida.
Só que eu respirava e pensava que a escola era um lugar seguro para Diana.

Mesmo sem o tratamento prescrito pelos médicos, Diana era abençoada por mais terapias do que muitas crianças.
Não seria tão difícil para profissionais com anos de carreira de magistério lidar com as limitações dela.
Diana tem infinitas habilidades para serem exploradas na escola.
Com o convívio, eles vão saber!

Na reunião de retorno às aulas, tivemos muita atenção da equipe mais uma vez.
Depois que todos os pais saíram, eu e o pai da Diana ficamos conversando com a equipe que sinalizou a sua disposição em receber a Diana.
Apesar de não ter chegado mediador, Diana poderia ir com a AT dela.
Achei isso super positivo, mas ao mesmo tempo receei que não fosse dar certo, pois se eu fazia as adaptações da atividade online, quem faria agora?
Bloqueei meu pensamento, tirando o meu lugar de mãe superprotetora.

Alternar para semana sim e semana não de aula foi um desgaste muito grande pra gente, pois ficou difícil estabelecer rotina.
Pensei até pedir à escola que Diana pudesse ir todos os dias para que ela pudesse ter rotina e interagir com outras crianças.
Só que entendi que inclusão é tratar a Diana como um igual e o rodízio tinha que funcionar pra ela como pra todo mundo.
Mas hoje sinto que meu entendimento advém também do fato de a escola nunca ter me dado essa opção, uma vez que ouvi algumas falas de elementos da equipe escolarde incômodos em relação ao ABA e sua aplicação.
Metodologia esta desconhecida pela equipe até a nossa apresentação na primeira reunião do ano.

Ouvi falas do tipo “Nós temos que respeitar a Diana e aceitá-la do jeito que ela é.
Se ela não quer ficar sentada, não fique.
Se ela não quer pintar, não pinte.” Mais uma vez pensei que a escola tinha boas intenções, contudo precisava ser lapidada como um diamante bruto.
Afinal, quem nunca?

A cada dia que ia buscar a Diana e sua AT na escola, eu sentia uma sensação estranha que era silenciada pelo meu perfil de mãe protetora e medrosa.
Nunca fomos maltratadas, então por que se sentir assim?
E estranhamente, a Diana começou a ter episódios de crises sensoriais na escola: gritos, pulos fortes, flapping e mordidas. 
Crises sucessivas culminaram com movimentos abruptos no banheiro que tirou a pia do lugar. Já me perguntaram se a pia era de plástico ou se estava bem encaixada.
Eu não sei responder.
Só sei que a minha filha estragou a pia do banheiro.
Minha filha é dócil e gentil, mas arrancou a pia do banheiro.
A escola me acolheu de uma forma bem inusitada.

Ao chegar para buscá-las, já havia a inspetora me esperando sair do carro.
Achei até que tivesse acontecido um acidente.
Fui encaminhada para a sala da direção e avistei de longe Diana e a AT, sentadas num banquinho da entrada.
Gentilmente, com um tom muito caloroso, a diretora me narrou o ocorrido.
Diante dessa situação, sugeriu que a Diana tivesse as horas reduzidas de permanência na escola para que ela pudesse aos poucos se adaptar.
Por ser muito pacífica, acatei apesar de não ter gostado muito da ideia.
Ainda estava chocada por minha filha ter arrancado a pia do banheiro.
Assinei no caderno de ocorrência da escola, peguei Diana no banquinho e vim pra casa engolindo o choro.
Minha filha arrancou a pia do banheiro e agora?

Depois de processar a situação junto à equipe terapêutica, achei melhor a Diana voltar para o formato online, pois acreditei que seria uma forma de reparar o dano e adiar o enfrentamento do problema de adaptação da escola.
Sim, neste momento começo a entender que não é Diana que não se adaptou à escola.
Foi ao contrário. Voltamos ao formato online, adaptando materiais e etc.
Até que um dia me recusei fazer a adaptação e avisei à professora que aquela atividade não dava para Diana fazer.

Então, a professora perguntou se eu não iria adaptar.
Fui malcriada e disse que não pois não tinha o PEI e nem era a professora da escola.
Uns 40 minutos depois recebi a atividade e nos dias seguintes recebi algumas vezes.
Devia estar satisfeita com isso, não?
Chegou no grupo da escola o convite para a festa do dia das crianças.
A proposta era que as crianças fossem uniformizadas.
O legal é que o evento era para todas as crianças, independente do sistema híbrido de ensino.
Fiquei reticente, consultei ao pai e a equipe terapêutica se Diana deveria ir.

Todos responderam que seria um ótimo momento de interação para ela, ainda mais que tem andado bem tranquila e regulada.
Então, corri e comprei uma fantasia. Mostrei a fantasia pra Diana e ela dançava animada.
Não é que ela gostou da ideia?
Contei para a professora que Diana iria e que já tinha acertado com a AT e comprado a fantasia.
Então, ela me avisou 4 horas depois, já a noite, que a festa não seria mais a fantasia e me encaminhou uma mensagem da direção da escola que dizia assim:

Boa noite.
Sim, todas as crianças foram convidadas a participar, inclusive as que acompanham aulas online.
Decidimos que para maior controle, pois ainda não conhecemos todas as crianças, que as mesmas fossem uniformizadas, com exceção das que ainda não receberam uniformes por optarem pela modalidade online.

Por último, e não menos importante, a nossa escola recebeu mediadora, porém ela acompanha o aluno do presencial e a Diana como está no modo online, não foi contemplada com a profissional, mas a senhora sinta-se convidada para acompanhar a sua filha durante o período do evento de comemoração pelo dia das crianças, pois o mesmo poderá conter gatilhos comportamentais que só quem a acompanha diariamente poderá decidir pela melhor resolução.

Era um aviso que não havia entendido.
E ao chegar de manhã, da porta da escola, fui informada que Diana só participaria da festa se eu entrasse junto com ela e que a A.T. não poderia entrar, pois agora não era autorizado.
Claro, tudo bem. Então deixarei a Diana e volto para buscar, disse com naturalidade.
E a diretora disse que só se eu ficasse.
A partir deste momento, tenho flashes humilhantes e constrangedores permeando minha memória.

Cena 1: Eu e a A.T. na porta da escola e Diana sentada no banquinho na parte interna da escola.
Cena 2: A diretora, 3 inspetores e coordenadora no portão e eu do lado de fora. Chegou um pai ´para entregar a criança.
Cena 3: Eu, no portão, a professora da Diana desce as escadas, vai na rua buscar algo no carro e volta. Não fala comigo nem com Diana.
Cena 4: A turma da Diana descendo as escadas, a mesa decorada da festa com o tema Tiktok e Diana sentada no banquinho sozinha.
Cena 5: 6 pessoas da equipe da escola no portão e eu do lado de fora com a AT e Diana. Sol batia no rosto.

Por trás destas cenas, ouvi um discurso de que a escola era inclusiva sim e que eu estava nervosa e equivocada, pois a escola tinha 7 crianças incluídas (com as mães do lado?).
Bastava eu entrar e ficar com Diana na festa, mas que se “não desse pra mim, ok”.
Só não poderiam garantir a integridade dela, pois com barulho ela poderia ficar agitada e nervosa. 
E essa atitude era para o bem dela.
Logo, perguntei que lei se basearam para afirmar que lugar da mãe é com a escola com a criança.
Perguntei se eles estavam com medo dela.
Caiu a ficha.
Estavam com medo da menina que quebrou a pia.

A diretora disse que jamais ficaria assustada com a Diana, mas ela estava tremendo.
Por quê?
Me perguntou quando ela passou essa impressão e eu respondi que foi no momento em que ela teve uma crise e a escola decide por reduzir as horas de permanência dela na escola.
Muitas falas ecoam soltas na minha cabeça.
Eu perguntei porque a Diana não tinha PEI e elas disseram que tinha.
Então, indaguei por que as atividades não eram adaptadas.
Recebi a resposta com outra pergunta: “Mas ela não está na sala de recursos?”
Entre as falas, eu sempre perguntava se Diana podia ficar na escola para festa.
Era só me responder sim ou não. Porém, não tive essa resposta precisa.
Não tinha sim, Taís, acorde! Pensei.

Aquelas 6 pessoas no portão estavam com medo de mim e da minha filha, foi isso.
Estavam com medo de ficar com ela na escola para uma festa.
Minha filha não ia comer bolo e guaraná porque a responsabilidade era minha de ficar!
Quando e onde começa a responsabilidade da escola?

Dor ,foi o que restou.
Voltamos pra casa sem festa de dia das crianças.
 
 
 
 
 
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